Echo, echo, echo(...)

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Ao tranquilo silêncio



 Então, fiquei de pé recordando aquele sonho estranho. Eu disse de pé? Não, não. Eu estava sentada. Sentadinha. Mas era como se eu não estivesse ali. Quando o sonho terminou, eu levantei da cama após meia-hora (?). Em meu sonho eu desaparecia, digo, meu perfume êmulo desaparecia. Eu não sofria. Eu não procurava por nada. Não sentia nenhuma dor. Eu estava tomando banho de porta aberta, enquanto alguém que eu não conheço, mas sei quem é, assistia filmes obscenos na televisão. Examinei meus braços, os meus pés, estava tudo dormente. Não olhava ao redor. Alguém dizia grosserias lá longe. Eu não me sentia só, não me sentia incomodada. Aí terminado o sonho, eu me levantei após 20 minutos (?). Não gritei. Não saí de casa. Providenciei algo decente para comer e consequentemente me esforcei bastante para não tornar a dormir. Vi o sol. Vi o céu. Senti vontade de ver o mar – quase nunca tomo banho de mar. Não sei nadar. Assim mesmo, vez por outra, vou caminhar ao longo da praia. Isso me relaxa um pouco. Contudo, para me fazer relaxar com indizível prazer, principalmente quando estou fragilíssima, ah senhores, só em casa. Sempre dentro de mim e nunca do lado externo. Assim me desarmo diante da música. Converso com  T. Monk e Keith Elam, e também com o Pepper que me é sempre tão afável, e fico bem humana, essencialmente quando eles inclinam seus corpos para a frente e abrem os braços para que eu possa abracá-los. Fico lá extasiada. Às vezes ensaio ronronar. Não preciso falar mais nada. Nada mais. Nothing. Niente. Silêncio. Acordei em silêncio e permaneci em silêncio até(...) até(...) Até. Eu nem olhei ao redor. Sabia que estava bem onde deveria estar. Nada poderia acabar comigo naquele instante. Momento inteiriço. Torno uma mim singela com gestos de singeleza, as várias mins que em mim habitam se fundem e fazem minha história parecer simples, oh, quem dera se minha história fosse como a de todas essas gentes que existem do lado de fora de mim. Se se pudesse enxergar através dos meus olhos e pensar além de minha mente, os distintos e eu seríamos uma mente que são várias mentes. Aí vem aquela voz límpida me perguntando docemente sobre os senhores: quem são vocês? Vocês fazem parte disso? Vocês preferem a certeza? Preferem o risco, por certo. Eu dou aos senhores o meu todo. Eu acredito que sim, eu o faço. E mantenho o olho vivo, pois cavalo não desce escada e a vida não é um cabaré.



terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Mariana e os diamantes de sonho

http://www.substantivoplural.com.br/category/cronica/page/2/
Tinha encontrado a mulher com olhos de diamante em frente ao bar sem nome*. Ela mandava beijos com ambas as mãos. Garota fingida da porra. Sempre dizendo "eu te amo" por pura conveniência. Louca. Vadia. Dizia "olha, vê como sou real." e encarava as pessoas, e mostrava as pernas roliças. Reprensentava tudo e nada. Representava tudo que estava em movimento. Ela não era o universo, não é isso. Ela era apenas ela, só que esse "apenas ela" bulia com a líbido de cada sem-vergonha da rua da saudade*. É que o semblante daquela desvairada nunca brilhava frouxamente – lembrava uma personagem do velho safado, cujo epíteto era "Cass, a mulher mais bonita da cidade."
Por certo ela não pensava em nada enquanto mexia as cadeiras de mulher pequena, só para fazer despertar algo que já tinha surgido e morrido há tempos. (O bom disso é sentir as calças apertando enquanto a gente olha). Sim, sim.
Ah, conceber fantasias, em certo momento da vida de um homem, é como perseguir o fantástico: você cria e inventa devaneios e não pode alcançar a coisa imaginada. A presença daquela mulher, ali toda se rebolando, tornou-se doce deleite, enquanto eu aceitava o fato de que o real jamais ultrapassa o fictício. Então eu estiquei o braço, sim, senhores, e ela sentou-se ao meu lado, no banco duro de madeira. Fiquei sorrindo lasso enquanto o desejo imensurável engolia o momento. Quem dera Ela, e não o desejo, engolissse o tal momento.
De repente eu abri os olhos, enquanto ela me xingava assim: "ô velho tarado, tira a mão de mim." Vixe, minha nossa senhora! Eu estava parado, o braço esticado, a ponta dos dedos roçando de leve o vestido da moça. Oh! Percebi que ela não se havia sentado ao meu lado. Mas que imbecilidade a dela. Eu ia dizer isso mesmo quando um vento bateu e lenvantou a saia da insolente. Ela girou o corpo e marchou em retirada. Fiquei estático, memorizando aquela ocasião em que puz os olhos numa calcinha por feliz acaso.
Eu iria ficar ainda ali por intemináveis momentos, tomando um trago, pigarreando constante, parado no vento.

- Salvador Rios.

Obs.: Pequena alusão ao blog do precioso Al.H.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Considerações inoportunas

Tudo que amamos é assassinado pelo tempo.”
Na foto: Blondie Narayana.

Este é realmente um conceito, digamos, racional deveras. Mas, se para alguns, existir é sentir dor e verter sangue, então neste caso, o tempo nada mais é que um amigo, levando embora o sangue e a aflição dessas gentes que são milhões de revolucionários mudos, que falam com o respaldo dos lascivos cruéis, falam com a tez impassível e a lucidez tranquila dos que sentem intensa harmonia de serem quem são, que vivem em lugares onde cada coisa é plena e sem choques ao menos uma vez por dia.
Há quem pense que a vida é doce  e justa – decerto que sou dessas que sabem que a vida é boa. Quanto a ser justa(...) bem, aí são outros quinhentos.
O fato de haver doçura na vida, o desejo de contemplar, o desejo de se alegrar com a própria existência, tudo isso faz com que a cadência e a harmonia estejam certas no momento certo, movimentando forças extraordinárias que podem despertar qualquer sentimento, inclusive o de excitação nos momentos mais arriscados. Porém, como dizia Edson Marques: “Só quatro tipos de pessoas veem graça na loucura: os sábios, os poetas, os deuses – e as mulheres apaixonadas.”
Então, o tempo é assassino, sim. Ele tem o rosto que jamais teremos enquanto o temermos, enquanto não aplacarmos definitivamente a fera dentro do homem. Mas, senhores, vocês pensam que falar sobre isso adianta alguma coisa? Todo esse blá blá blá exige demasiado esforço, exige disciplina, coerência. Expor pensamentos exige que se tenha uma excelente reserva de energia, do contrário você não aguenta esperar que o tempo amigo aja. E é uma sensação triste a de se saber que se fez algo em vão. Se se pode viver e caminhar em espírito, por quê não um espírito bom?
Sim, senhores, viver pode ser uma loucura. O tempo é assassino, sim, senhores. Mas, a vida, ah, a vida é doce. Doce, doce, doce.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

A VIDA ENTRE OS PÃES

(Para Bellincanta)

Ela tinha me dito que era uma das mais belas mulheres que eu estava tendo oportunidade de conhecer. Disse desse jeito: “Eu sou linda. Uma das mais lindas que você já viu.” mesmo depois de eu tê-la chamado de feia e louca.
Ela tinha uma chinfra tão grande ao se dar o título de uma das mais bonitas, que me perguntei com quem diabos ela havia andado até aquele momento, afinal de contas, era um grupo muito restrito que concordaria com a pose daquela mulher (Pedro Almodovar, Zé Ramalho, Raul Seixas e Marcelus Bob).
Deixei alguns projetos de lado e passei a ficar observando a mais bela só por curiosidade.
Tempos depois, eu olhei meu reflexo no espelho e vi Almodovar.
Tentei acertar o passo e pedi a mais bela em casamento.
Ela foi embora dizendo que era uma das mulheres mais belas que eu já tinha visto.
E, contrariando tudo, a beleza da mais bela foi a única coisa que o tempo não engoliu.