Echo, echo, echo(...)

segunda-feira, 29 de março de 2010


Sou tudo que existe
O que causa bem estar
O que causa mal estar
Reinvento modos de vida se é o que deve ser feito. Sei fazê-lo comodamente.
Não há insegurança? Não.
Faço o que é de minha natureza: causo coisas
Sou franco. Sou cortês e absolutamente secreto como um livro na estante
Não me recuso a nada
Oponho-me a tudo
Sei de pouca coisa que quero
Mas procuro coisas novas
Aprofundo-me no estranho e acredito em mim porque sou tudo que existe.

-Salvador Rios.

sexta-feira, 26 de março de 2010

Irei cuspir-vos nos túmulos


Ah, hoje estou esperando muito de mim, mesmo me sentindo ainda muito libertária nos temas que procuro desenvolver, meus formatos fixos de pensar estimulam o melhor de mim apenas para o trabalho – ando vendo muita gente se glorificar de ter o pensamento em turbilhão sem conseguir manter um foco quando forçado a se enquadrar. Isso é terrível, terrível. - Claro, não podemos passar pelos dias de hoje sem ceder ao marasmo de informações que nos é empurrado garganta à dentro diariamente sem dó, mas por que não manter uma lista de desejos permanente e linear até que os mesmos sejam alcançados? Para quê mudar de ideia sem alcançar o que antes era o foco? Por covardia? Por altruísmo? Incapacidade?
É indiscutível que devemos mudar nossas expectativas de tempos em tempos, senhores, mas por que desistir de algo antes de conquistá-lo ou mesmo antes de tentar subjugar nossos anseios?
É fato que sempre me perco nos assuntos que começo, tangenciando meus pensamentos e me distanciando do tema inicial – numa roda de amigos beberrões isso é completamente entendível, mas, e no dia-a-dia não seria mais vantajoso manter a ordem das coisas? - às vezes assuntar de forma simples e direta, é até menos cansativo que se perguntar depois: “o que era mesmo que eu estava dizendo?” - a escolha lexical também é importante, mas será mais importante que o domínio daquilo que se quer transmitir?- Dá para terminar um assunto e enveredar em outro deixando, desde que se saiba o que se está dizendo, apenas que as coisas fluam? Claro que sim. Eu até faço de caso pensado quando percebo que os assuntos vão se encaixando, pois não é minha prioridade falar de coisas diversas, por vezes sem conexão alguma – mesmo que eu o faça impensadamente durante a semana.
A ideia de começar um discurso sobre algo e finalizar com um tema “nada a ver” é apavorante – na realidade apavorante é não saber mais o que se está querendo dizer para um monte de pessoas que não estão nem aí, pessoas que se riem de tudo ou que fingem entender de tudo, tanto pior.
É, acho que é isso mesmo.
Enfim, estou trabalhando muito em minha lista de prioridades para esse ano. Não gostaria de saber mais tarde que deixei que algo ou alguém atravancasse o meu caminho dessa vez.
Para aqueles que duvidam de si, eu sinto muito, e para aqueles que duvidam de mim, o título de um dos livros que o Boris Vian traduziu começa a boiar em minha cabeça: irei cuspir-vos nos túmulos – Sendo ríspida no sentido amplo da palavra.
Cansada eu? Não, senhores: tenho andado altivamente a todo vapor!

Obs.: Na foto, gatas no show do Grupo Escolar.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Apatia Final


Não podia deixar que o mundo girasse enquanto eu estivesse parada no mesmo lugar por tanto tempo. Eu me olhava no espelho e me decepcionava: estava fraca, velha.
Fico tentando adivinhar quando terá sido que eu perdi essa vontade de acontecer: desde a nascença? Durante sua presença? Longe de tua arrogante voz?
Então me pus a lutar.
(...)
Recomeço a viver. Reinvento meus sonhos.
(...)
Passo a colorir minhas telas com as cores que vejo em minhas veias arroxeadas.
(...)
Agora sei que tenho de continuar, por todos os motivos do mundo, sem qualquer incentivo constatado (...)
Mesmo (pre) dominantemente cega, caminhando para a montanha distante
Mesmo fra(n)ca e com sorriso doce no rosto
Mesmo (o)velha e oferecida após a primeira taça de vinho.

-Justine Febril.

Obs.: Na foto, cena do filme Malèna, com Monica Bellucci.

Coin Operated Boy


Coin operated boy
Sitting on the shelf, he is just a toy
But I turn him on and he comes to my life
Automatic joy
That is why I want a coin operated boy
Made of plastic and elastic
He is rugged and long-lasting
Who could ever ever ask for more?
Love without complications galore
Many shapes and weights to choose from
I will never leave my bedroom
I will never cry at night again
Wrap my arms around him and pretend
Coin operated boy
All the other real ones that I destroy
Cannot hold a candle to my new boy and I'll
Never let him go and I'll never be alone
And I'll never let him go and I'll never be alone (go)
And I'll never let him go and I'll never be alone (go)
And I'll never let him go and I'll never be alone
Not with my coin operated boy
This bridge was written to make you feel smittener
With my sad picture of girl getting bitterer
Can you extract me from my plastic fantasy
I didn't think so but I'm still convincible
Will you persist even after I bet you
A billion dollars that I'll never love you?
And will you persist even after I kiss you?
Goodbye for the last time
Will you keep on trying to prove it?
I'm dying to lose
I'm losing
I want it
I want it
I want him
I want you
I want a coin operated boy
And if I had a star to wish on
For my life I can't imagine
Any flesh and blood could be his match
I can even take him in the bath
Coin operated boy
He may not be real experienced with girls
But I know he feels like a boy should feel
Isn't that the point that is why I want a
Coin operated boy?
With his pretty coin operated voice
Saying that he loves me, that he's thinking of me
Straight and to the point
That is why I want
A coin operated boy.


-Porcelain and the Tramps

Ps; In the pic, Radharani & Narayana: chemical sisters.

segunda-feira, 22 de março de 2010


Sempre me senti atraída pelos tímidos.
Nunca me poderia demonstrar aos outros homens sem que tivesse de fingir ingenuidade e relutância e odeio fingir que não sou dominadora: gosto de conquistar. Meus anseios urgentes são devaneios ininteligíveis aos ouvidos moucos de outrem. São como viver com a sagacidade de um urso de circo, e o conforto do picadeiro nunca poderia preencher a falta que o mundo fora da lona proporciona. Por isso prefiro os tímidos que apesar de pensarem como os outros, sabem só haver uma saída para a cama por existirem mulheres como eu: caçadoras, verdadeiras Dianas capazes de serem doces como açucares refinados, de ter o corpo amolecido para o amor incondicional, porém sem o direito à escolha livre, pois desde sempre os homens esquivam-se assustados quando se deparam com a força e a ousadia de viver que só as mulheres de verdade têm.
Minha vida é um bambear de corda para a trapezista que sou: com minha vara de bambu sigo em frente. Estou em constante aprendizado e procuro suavizar com o amor que sinto tudo que toco. - Mesmo quando o olhar é de despedida e o aceno já não quer dizer um oi. - Uma mulher como eu sempre é admirada e amada em demasia e por muitos em segredo, o fascínio e o desejo que os homens (e algumas mulheres) podem ter, sucumbem ao medo que eles sentem de perder mais na frente algo tão precioso, preferem não iniciar uma dança sabendo que ao terminar a música apenas sobrará o olhar de despedida criando, dessa forma, arremedo de covardes e caçadores que fingem passividade num mundo colorido, onde todos se perdem de si mesmos.
Lembro-me de um dia em que estava confortavelmente sentada no ônibus e tinha um rapaz em pé com o zíper das calças na altura exata de meu braço, então eu deixei que ele roçasse em mim durante a viagem. Lembro que me senti muito bem por isso, minhas coxas apertaram-se e ficaram firmes em torno do sexo. E cada vez que o rapaz, desavisado de minhas intenções, se afastava de meu braço eu tratava de reverter à situação facilmente.
Então, é ou não é correto se dizer que o impulso e a ousadia vigoram dentro de mulheres iguais a mim? Ah, como eu quis compartilhar com alguém esse fato: meus amores serão minhas possibilidades de mutação, serão tudo que crio quando fito o mar. Terei verdadeiros ensaios para a grande apresentação de mim mesma.
E aonde quer que eu vá me bastarei com esses amores que se foram, permanecem e acontecerão.
Mas tenho cuidado, apesar de ousar viver, mantenho – como diria Álvaro Coelho – a sagacidade de um urso, porém de um urso amestrado.

- Justine Febril.

sexta-feira, 19 de março de 2010

Você sabe como sevir uma Guinness?

Delilah - I never met a more impossible girl


There's no end to the love you can give
When you change your point of view underfoot
Very good: you may be flat but you're breathing
There's no doubt he's at home alone in his room
Probably watching porn of you from the fall
It’s last call and you’re the last one leaving
And you thought you could change the world
By opening your legs
It isn't very hard
Try kicking them instead
And you thought you could change his mind
By changing your perfurme to the kind his mother wore
O god delilah why?
I never met a more impossible girl...
In this same bar where you slammed down your hand
And said "Amanda, I'm in love"
No you're not
You're just a sucker for the ones who use you
And it doesn't matter what I say or do
The stupid bastard's gonna have his way with you...
You're an unrescuable schizo
Or else you're on the rag
'cause if you take him back
I'm gonna lose my nerve
I never met a more impossible girl...
At four oclock he got off and
You called up I'm down at denny's on route one
You won't guess what he's done
Is that a fact delilah
Larry tap let you sneak in the back
And use his calling card again
For a quick hand of gin
You are impossible, delilah: the princess of denial
And after 7 years in advertising you are none the wiser
You're an unrescuable schizo
Or else you're on the rag
Cos if you take him back
I'm gonna lose my nerve
He's gonna beat you like a pillow
You schizos never learn
And if you take him home
You'll get what you deserve
So don't cry delilah
You're still alive delilah
You need a ride delilah? let's see how fast this thing can go...


-Amanda Palmer.

quinta-feira, 18 de março de 2010

(D) escrita.


Pele branca, muito branca.
E olhos escuros, tipo âmbar gris - sólidos e inflamáveis - penetrantes para quem me vê passar, e variações de cor também posso acrescentar.
Tatuagem de fênix no pé esquerdo, que eu sempre perco a oportunidade de mostrar.
Tez incomum e olhar estático.
Cheiro peculiar: doce e terroso em frescor.
Voz rouca de mulher madura, pois ainda não me pude dar.
Rosto secreto por opção, sempre pintado por pressão.
Beijo mortal marcado por maciez.
Lábios corados por batom caro, prontos para serem usados.
Cabelo curto por amor, platinado por afeto, coberto por peruca pelo senso vulgar.
Sou uma ela que vem lá. Uma ela que vai acolá. Uma ela que é cada uma delas...
Febril por natureza.
Sou parte de um futuro brilhante que não poderá acontecer
(enquanto o destino não for rompido).


- Justine Febril.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Conto.


Uma mão segurando um canudo. Meus pensamentos tímidos tropeçaram na malícia que me invadiu ao vê-la ali, sentada, dedo no canudo que sugava o drink, sorrindo para mim um sorriso inimaginável... Recriminei-me por olhá-la: sabia que meu pescoço, esse órgão flexível dado por Deus e aperfeiçoado pelos pensamentos enviados pelos diabos não iria ficar parado. Seus cabelos e seus olhos pareciam pouco a pouco travestirem-se de górgonas verossímeis que petrificariam meus movimentos a qualquer hora que eu olhasse para ela. Ainda assim, olhei. Ela parecia desenhar no caminho da brisa que soprava entre nós uma trilha que ligasse pensamentos e malícias: uma torrente de sensações percorreu desde minha espinha até as hastes dos meus óculos. O inusitado vestia-se com uma bruma imperceptível de brisas e desejo. Perguntava a mim mesmo o que teria iniciado aquela estranha interação.
Estranho foi passar por aquela Santa Inquisição, de labaredas mais prazerosas. Mas, ao contrário do que pensava o lado sazonal dessa malícia improvável que me tomara, o calor do meu corpo com o olhar curioso dela. E ela se foi, sorrateira, olhando para trás, como se me desprezasse.
Cheguei em casa e me deparei com esse desafio na minha caixa de mensagens:
Tome essas linhas como uma oferta, moço bonito. Sinto o calor que vem de você me arrepiando as linhas do rosto.
Aquilo não era a noite, meu bem: era vontade de te ter.
Foi quando eu te vi com aqueles óculos de grau e pensei: meu Deus, que homem lindo! Um intelectual com certeza! E senti ondas arrebentando nas pedras às dez da noite e senti o dia raiar dentro de mim e através de você. E quando me aproximei ainda tive essa impressão – você em sua timidez me passou à perna. Mas indiferente aos avisos que possa ter recebido, preferi acreditar na falsa impressão e ser feliz em meu engano. Às vezes eu me sinto uma figura fantástica, recolhendo rosas vermelhas de um buquê que acabo de ganhar.
Só penso em você quando te vejo. Quando bate o vento eu sigo preparando a tempestade para você e para mim. - Vi você em todas as suas formas, inclusive as reais. - Notei quando se aproximava com mesuras e gracejos de rapazote no cio – atitude que conheci muito bem e aprendi cedo a odiar.
A vida não é uma ópera, querido: a vida é seu rock and roll e minha pimenta. Mas o que poderia querer mais, queridinho? Abandono você e você me ama:
você me tem com dificuldade.
Ter. Eu quero tê-la como se tem uma doçura ao final da noite. Como em uma contagem regressiva em que uma ladainha profana se multiplicando...
Tell me that you wanna hold me
Tell me that you wanna whore me
Tell me that you gotta show me
Tell me that you need to slowly
Tell me that you're burning for me
Tell me that you can't afford me
Time to tell your dirty story
Time turning over and over
Time turning four leaf clover
E ela, em meus sonhos, dançava lascivamente, molhando meus olhos com o produto da sua saliva, repleto de odores de beijos trocados, fechando decotes e zíperes com um grave sentido de esfinges, lançando o velho desafio, ao final da noite:
Decifra-me ou...
Fiquei olhando a peregrinação dela por meu recanto, o jeito maroto de ela limpar o canto da boca após brincadeiras selvagens, o riso magro que cortava o caminho entre nós dois. Parecia passeio no meio dos meus mais distantes devaneios. E como um devaneio eis que ela se foi, sorrateira, enquanto eu aguardava, tonto, no quarto.
Fui caminhar...
Não sei quantas noites peregrinei tentando resgatar as palavras que aqueles olhos enunciaram naquela hora em que minha timidez veio por terra. O pequeno riso dela que escorria pelo dedo que ela mordia, sapeca, vinha à minha alma como um pequeno canto de pardal: e ainda assim, cruel.
Eis uma pista, deixava na caixa de mensagens:
(...)* você me tem com dificuldade. Como uma ária que desfila em meus ouvidos, como um reflexo meu em teus óculos. As rosas vermelhas da minha fantasia parecem impregnadas de tua realidade e real me sinto longe de ti, buscando o inusitado de nossas horas juntos. Tua beleza me sufoca como o teu corpo sobre mim na hora de um gozo inimaginável, um beijo no pescoço ou uma mordida no lóbulo de minha orelha... Eu te tenho com dificuldade.
Procura-me. Tenha-me. Decifra-me.
Devora-me.
Saí à rua acossado pela voz que emanava daquela mensagem. E, transpassando o primeiro degrau para a calçada ela segurou meu braço, docemente.
Que seja hoje. Para sempre. Do inusitado encontro, a certeza da paixão.
Partimos. Mãos dadas com o destino. O abismo a nossa frente nos puxava com a maciez de três línguas. Ela encostou a cabeça em meu peito e suspirou. Suportei que ela pegasse o que quisesse de mim por instantes eternos, e permiti que duas lágrimas longas e sentidas escorressem em fio por seu rosto.
A dificuldade era sempre a mesma: desatar os nós que nos uniam.
Nós nos tínhamos com dificuldade.
Nós nos causamos bem estar.
Nós nos causamos mal estar.
Temos raiva um do outro
Amamos-nos um ao outro.
Não queremos filhos
Ela não quer
Eu não quero
Então eu acaricio o ventre inchado e a empurro de leve para o abismo.
Ela segura minhas mãos: quer que eu vá com ela.
Digo que não estou preparado.
Estudo uma maneira de fazer com que entenda. Eu a encaro olhando nos olhos e o reconhecimento aparece. Então ela gira o corpo, como adorável bailarina, e troca de lugar comigo me oferecendo ao abismo.



- Narayana Ribeiro & Alisson da Hora.

Obs.: Na imagem, Rodin.

terça-feira, 16 de março de 2010

Elena em mim


Por Deus que acho essa mulher um horror. Tentou agradar o mundo a pobre idiota. Não conseguiu e não soube o que fazer dela mesma – anta. Mas de um brilho incomum no sorriso encantador – estarrecedor acrescentaria fosse eu uma mulher mais honesta. Anda com uma leveza de dar dó a criatura. Mal fala. Come muito. Chora muito e baixinho. Não sai sem permissão.
Ela é pura falta de liberdade trancada dentro de si.
A forma como baixa os olhos fisgaria qualquer homem pela delicadeza da submissão.
Essa Elena é mesmo uma coisa: boazinha demais, bonitinha demais, jeitosinha demais, carinhosa demais, burra demais.
Por Deus que acho essa mulher um horror. E um dia desses ainda a arranco de dentro de mim.



-Justine Febril – 2005

quinta-feira, 11 de março de 2010

Volte


Guardado no peito o ardor sem palavras de sair.
Sem escolhas, nem gracejos, com a plenitude divina de poder agir.
Sem medo, sem pejo, sem desejo de partir.
Onde a fúria de ser impede a confusão de mentir.
Quem vem lá para me aniquilar os escritos?
Quem era que passava na neblina da janela de um lar de gemidos?
Quem irá trazer isso de volta aos teus braços?
Sem vício, sem recurso, sem dor, sem embaraço.
Meu bem, traga de volta tudo de uma vez.
Faça de novo o que você nunca fez.

- -Salvador Rios, Dez/2008

Obs.: Salvador Rios é pseudônimo de Narayana Ribeiro.
Obs2.: Música: Delilah, do The Dresden Dolls.

terça-feira, 9 de março de 2010

Finnegans Wake X Skreemer


Estava comentando com Alisson da Hora sobre um de meus quadrinhos prediletos – Skreemer, que é uma história de mafiosos num mundo em crise (série limitada em 6 edições) – e vendo o título da edição número 6 – O Despertar de Finnegan – não pude deixar de me lembrar de Joyce.
Genialmente escrita por Peter Milligan com ilustrações de Brett Ewins e Steve Dillon, nessa HQ nós podemos acompanhar a ascensão do gangster, Veto Skreemer, à posição de "presidente" do país - mesmo à custa de amizades cultivadas desde a infância. - Veto faz sua escalada do poder através de muita violência e fazendo diversos inimigos. - Paralelamente, desenrola-se a história de um pai de família, Finnegan. - Finnegan é um homem pobre (um homem bom, mas que ultrapassa os limites da mediocridade, criando uma nova categoria para a palavra). Ele tenta levar sua vida honestamente, criando seus filhos e dando amor e carinho para sua esposa. Claro que seu caminho e o de Skreemer se cruzam - de forma trágica, beirando a insanidade. Enquanto isso, quadrilhas rivais se organizam para tomar o poder das mãos de Veto Skreemer.
“Apesar do resumo futurista, o visual meio retrô remete à era atual”. As sequências de flash back são mostradas com uma coloração em tom pastel, meio rosadas ...
Acho que o fato de eu haver lembrado do romance de Joyce, Finnegans Wake, ficou atrelado ao fato de a HQ ter uma narrativa onde fluem recordações dos personagens, estilhaçadas, entrelaçadas - além, é claro, de um dos personagens chamar-se Finnegan e ficar cantarolando a canção popular que também aparece no livro.
Li em algum lugar que o título traduzido, o despertar dos Finnegans, sustenta a substância onírica do romance. Na mesma leitura encarei os seguintes questionamentos: Quem são os Finnegans? Todos os homens? E por que não?
Ah, senhores, repetidas leituras não esgotam a reserva das criações joycianas. E cada vez que se lê, encontra-se alguma variante antes despercebida. – como no filme Abre Los Ojos, de 1997, que teve uma versão americana 4 anos após – Vanilla Sky. Eu assisti o primeiro 2 vezes e o segundo 4. E em todas às vezes descobri uma novidade. Claro, que é apenas uma comparação comportamental de como eu me senti ao assistir os filmes onde o exemplo se encaixa perfeitamente com o sentimento de ler Joyce pela enésima vez e ainda assim descobrir uma novidade no corpo do texto. - Ainda bem que posso me encontrar na busca pelo conhecimento que é sempre a mesma aventura de cada um. Espero que vocês realmente tenham essa mesma sede, senhores.


Obs.: Dica de leitura: O Céu que Nos Protege – The Sheltering Sky, 1954 de Paul Bowles.
Obs 2.: Diga de filme: O Passado - El Pasado, 2007. Com Gael Garcia Bernal.
Obs 3.: Dica de música: (clássica) All We Are, (na voz da fantástica Doro Pesch) do Warlock.
Obs4.: Na foto: Emerson Junyor, Eduardo Grunge e Narayana Ribeiro - pesos pesados.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Interplanetáriamente mulher.


A mulher mais idiota pode dominar um sábio. Mas é preciso uma mulher extremamente sábia para dominar um idiota.


-Rudyard Kipling.

quinta-feira, 4 de março de 2010

Rito


Gabriela entrou no salão e cortou os cabelos bem curtos sem medo. À tarde a gata saiu para caçar. Olhou para o rapazote que vinha em sua direção: despojado demais. Esbarrou no quarentão: sério demais. Andou pelas ruas até cansar e nada.
Como era possível, afinal, que já estivesse tão atrasada para o rito de final de semana? Estava se retirando para casa quando sentiu um olhar em seu pescoço. O olhar era tão intenso que fez com que se virasse.
Lá estava sua diversão de fim de semana: uma gata com cara de dondoca e um homem de meia idade com cara de intelectual.
Estavam olhando para ela já fazia um tempo de dentro do carro. Gabriela foi até eles passou pelo motorista, deu a volta e parou ao lado da garota, apoiando os braços na borda da porta, sorriu sem lhes mostrar os dentes.
A mulher estava com os lábios num meio sorriso e isso era um bom sinal para Gabriela, que achava que uma boca assim, entreaberta, era um aviso de que a cama compartilhada com essa pessoa devia ser bastante intensa. Não resistiu e deu um beijo naquela boca de lábios finos e bem pintados. A mulher correspondeu. O homem com ar de intelectual apenas observava a cena com ar parcialmente sério.
Foram parar num apartamento.
O homem serviu drinques e colocou música para tocar. Olhou para Gabriela e disse que ela se parecia com todo mundo.
Ela não ligou. Dançou sensualmente com a mulher e trocou insinuações mudas ao fim da dança.
Sentaram-se: Gabriela ao lado direito do homem e a mulher, por impulso, deixou-se cair no colo dele. O sofá era macio. Beijaram-se triplamente. Estavam concentrados em suas línguas e respirações. Começaram a se esfregar pausadamente e com força, depois aumentaram o ritmo, até que o tecido de suas roupas estivesse insuportavelmente quente.
Gabriela levantou-se, tirou a mulher do colo do homem e a pôs de lado, abriu as calças dele e segurou-lhe o pênis com cuidado levando-o à boca. A mulher despiu as calças de Gabriela por trás e pôs-se a lambê-la devagar e com maciez.
O homem estava encantado - talvez já não achasse Gabriela igual a todo mundo.
Os três fizeram amor durante pouco tempo, porém exploraram-se ao máximo, como se amassem um ao outro intimamente e para sempre.
Depois o homem pagou a mulher com cara de dondoca e em seguida pediu o número do telefone de Gabriela.
Ela não deu.

E lá se foi Gabriela com o cheiro do cravo e a cor da canela.
Passou na casa de sua mãe e pegou seu filho de pai desconhecido, concebido numa época em que as doenças pareciam não ser temidas, e rumou para casa suspirando felicidade por mais um ritual de fim de semana cumprido.

- Justine Febril.

Obs.: “(...) E lá se foi Gabriela com o cheiro do cravo e a cor da canela. (...)”
Alusão no texto à “Gabriela, Cravo e Canela” do saudoso Jorge Amado.
Obs2.: Na foto, cena de Coração Iluminado - Hector Babenco.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Jude


Esperava, enquanto a fazia chorar, que os dias passassem lentos e cheios de significado.
Seus olhos de gata sempre me mirando o cenho franzido, e o salto que dava da cama logo ao amanhecer eram comprometedores.
Seu ronronar era extremo ao dormir insatisfeita, e a língua áspera, que me parecia ter três pontas, podia descansar dentro da boca entre lábios cerrados.
As lambidas durante o banho faziam jorrar rios de mel em direção ao chão.
Quando percebi que era nosso último abraço sorri desconfiado.
Foi um abraço apertado. Sem beijo. Sem despedida.
Expulsei-lhe pela porta da frente e notei a fúria em seus gestos.
(Por que deveria tentar que você ficasse?)
Nosso tempo era curto e eu não pude hesitar.
E me flagrei pensando na história de nossos corpos abraçados: qual destino estaria vinculado ao futuro de nossas escolhas?
Devo achar essa resposta logo. Afinal, não gostaria de descobrir numa outra vida, quando já não formos gatos, que perdi seu último beijo intenso com afago de algodão entre minhas pernas.

-Salvador Rios.
Obs.: Salvador Rios é pseudônimo de Narayana Ribeiro.