Echo, echo, echo(...)

sexta-feira, 13 de outubro de 2017

A Crucificação e a Canção de Henry Miller

Na foto: Henry Miller
Acervo: GoogleImages

Que seus detratores o acusem de pornógrafo, de misógino, de preconceituoso – tudo bem. Que muitos países tenham fechado as portas a sua obra; considerando-a muitas vezes obscena, de mau gosto, e mesmo assim, viessem a publicá-las décadas depois – tudo bem também. Porém, ninguém há-de negar, assim como o poeta francês Arthur Rimbaud (1854-1891), e mais tarde, o também poeta, romancista e dramaturgo Jean Genet (1910-1986), o escritor norte-americano Henry Miller (1891-1980) foi para a virada do século XIX, para o século XX, um modelo de romantismo.
Com o mesmo júbilo com que Walt Whitman cantou a Canção de mim mesmo, partindo de perspectiva do próprio (Ser) corpo para falar sobre gênero, raça e democracia, Henry Miller também exaltava, à maneira de um clown, as maravilhas de sua existência, suas misérias e principalmente “o prazer” – Isso ainda no florescer da psicanálise.
O homem, uma vez expulso do paraíso, havia ficado doente. E para Miller, a vida mecanicista em que estava inserida a sociedade pós-revolução industrial; e mais precisamente o American way of life, é o que levaria a sua destruição. Por isso, a única salvação seria à volta ao estado das coisas “essências”, a vida santa.
E era como uma espécie de santo; não se apegando a nada – além de um pouco mais que um prato de comida, nem a ninguém – que não fossem amizades genuínas ou paixões casuais, é que recorreu às experiências próprias de quase indulgência, chegando até mesmo a passar fome (Nova YorkParis…) em busca de uma verdade, ou sentido mais profundo da vida; retratando tipos sórdidos, dementes ou na maioria das vezes, ordinários – Que poderiam inclusive ter saído de alguma novela de Dostoiévsky, sua maior influência- e mais comumente a prostituição.
Há, em toda a sua obra, uma nostalgia à ideia do Paraíso perdido. Uma celebração a vida no seu estado mais primitivo, como a figura do bom selvagem. Em seus textos, sempre estabelecia contrapontos entre a vida na civilização (a quem sempre atacava ferozmente) e a vida em tribo (dogmas, costumes e rituais) e seus sentidos cosmogônicos.   Criou um tipo singular de humanismo, na forma mais ampla do que se possa entender essa palavra, indo do aspecto mais baixo do ser humano ao mais sublime, e por isso mesmo nunca trapaceou com o que considerava “realidade”.

Com franqueza, humor ( às vezes cáustico) e ironia, deu voz aos seres invisíveis, homens comuns, habitantes das sarjetas por onde andou. Ou que outro autor de nosso tempo poderia nos dizer algo como: A prostituta é uma espécie de santa, porque despreza a carne quando se está apaixonada? Talvez, somente algum outro tipo de homem que tivesse peito suficiente para dizer: Quem nunca pecou que atire a primeira pedra…

Mas foi na pornografia que ganhou maior notoriedade.
Sim, foi no campo minado do “sexo” que fez sua bandeira – quase um princípio particular de moralidade – e paradoxalmente enxergou na carne a libertação – ainda no longínquo ano de 1934, quando lançou o seu primeiro livro, Trópico de Câncer, relato de sua vida de penúria nas ruas e cabarés da Cidade Luz.  Entretanto, restringir sua obra apenas ao “erotismo” é cair em erro. O grande tema de Henry Miller sempre foi a liberdade. Assim como o diretor de cinema Quentin Tarantino usa a violência como ferramenta em seus filmes, Henry Miller foi um homem que usou as armas do seu tempo. Quem já leu seu magistral ensaio “O tempo dos assassinos”, um paralelo em que Miller estabelece entre sua vida e obra, ao do poeta Rimbaud, sabe do que estou falando – E acreditem-me, há mais semelhanças do que diferenças entre os dois gênios. Bem como no livro-viagem “O colosso de Marússsia”, livro que conta da sua estada na Grécia no período de entre guerras; ao seu modo, um relato lírico, sobre homens comuns, poetas, mitologia, sonhos e sobre passado e futuro da raça
Li pela primeira vez Henry Miller no ano de 2001, na casa de um amigo, seu livro Sexus, uma edição da editora  círculo do livro, de 1985. Era um livro de capa vermelha, estampada com o dorso de uma mulher com os seios quase a amostra (final de ditadura…), de camisola preta, que mais se assemelhava a uma edição da revista playboy.
Fiquei sem chão.
Há muito que desejava escrever sobre Henry Miller, mas, confesso, estava reunindo coragem para escrever sobre esse Gigante. (Apesar de que li todos os seus livros que foram publicados no Brasil, uma pequena biografia sua, e alguns livros de Anaïs Nin, porque figurava Henry Miller!) Se eu consegui, ou não, não sei. Talvez, por minhas palavras, nada; por minhas intenções, tudo! [1]

[1]  Trocadilho com o famoso poema de Walt Whitman: Não me fechem as portas, orgulhosas bibliotecas Não me fechem as portas, orgulhosas bibliotecas, pois justamente o que estava faltando/em tuas prateleiras apinhadas, é o que venho trazer/-mal acabado de sair da guerra, um livro: Pelas palavras do meu livro, nada; Pelas intenções, tudo!

Autor:WILLIAM LIMA ELOI
PUBLICADO ORIGINALMENTE EM: http://mundodelivros.com/cancao-de-henry-miller/
Sobre o autor: Sou do signo de aquário. Nasci no litoral da Cidade de São Paulo, Guarujá, em 1978 (O céu estava nublado quando nasci, ou assim pensei ter ouvido a minha mãe comentar uma vez...) Radicado na Cidade do Natal desde 1984. Brasileiro. Em 2013 publiquei meu primeiro livro: Notas Suicidas (Uma novela experimental), publicado pela editora carioca independente multifoco. Tenho algumas crônicas e resenhas postadas no blog “Carta Potiguar”, um coletivo oriundo do departamento de Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

terça-feira, 28 de março de 2017

De querer o que não se quer por nada


Na foto: Narayana Click: FotoLumina
De tanto andar por aí papeando com um e com outro, soube que você se apaixonou (ou ao menos chegou bem perto disto). Independente de como as coisas estavam indo o dia amanhecia e aquelas lembranças voltavam. Não acreditei que as coisas estariam de pé depois de tanto tempo, ainda vou permanecer aqui (?) esperando com a cabeça abarrotada de paciência e esperança. Ouvi por aí que você jurou amor eterno… E o que tínhamos se transformou em quê?
Criatura, “para sempre” é complicado, é algo que soa como comodismo ou desistência. E você nunca, nunca vai saber o que gerou essa faísca em mim. Você só me ligava para me entediar com seus contos de circo sem futuro. Aquelas mesmas ceninhas, virando urso… Me fazendo ter de adestrar a fera… Era para rir, mas eu bem queria chorar por não poder dizer…
Quando chegou uma fase importante para cada um de nós eu cai fora e você simplesmente caiu de joelhos e se tornou alguém de uma cegueira deveras incomum. Mas eu não encontrei tudo que eu esperava encontrar aqui sem você. Ficou cada vez mais precioso voltar a tentar fazer você escutar. Os dias passam lentos.
Vou ter de esperar muito você sair dessa, meu bem?
De longe nada parece normal, então perto deve ser um brinde a loucura sublime dos que flertam com o excesso.  
Ouvi dizer que o mundo gira e que você se apaixonou… Mas sério, como é que você está realmente?

sexta-feira, 24 de março de 2017

O herói sem nenhum caráter


Na foto: poema de CivoneMedeiros Click: FotoLumina
 
 
 
Gustav Flaubert, escritor francês (1821-1880), apesar de absolvido no processo que lhe moveram há 160 anos por conta de sua Madame Bovary, mesmo ainda hoje, se fosse vivo, certamente escutaria coisas do tipo “Não gosto de Madame Bovary. Emma é uma mulher muito depravada” - como outro dia escutei de uma amiga, num clássico modelo metonímico de apreciação.

Como um bom advogado - que não sou - defendi Emma Bovary, destacando justamente suas falhas de caráter como algo genial na obra de Flaubert, dizendo a essa minha amiga “Mas a grande literatura é aquela que mais se aproxima do humano...” .

 Foi Miguel de Cervantes (se não o primeiro, certamente o mais conhecido) que “esculhambou” com a figura boçal do herói virtuoso, dando-lhe um ar patético e sonhador. Iniciando o que passou a se chamar de literatura moderna, somente muito tempo depois.

Digo muito tempo depois porque até a chegada da desconfiança, do ciúme, da inveja, da dissimulação às letras, foram quase dois séculos- do bufão Dom Quixote ao parricida Smerdiakóv.

Como numa sopa primordial[1], acontecimentos dramáticos dentro da história humana (como guerras, as grandes descobertas científicas ou revoluções tecnológicas) sempre levam a algum tipo de reflexão; criando a condição para a dúvida, a angústia, ou o simples questionamento pelo lugar do homem no mundo. (O que me leva a pensar, em dias como os nossos, “Oh, poetas do amanhã, grandes escritores, ergam-se”! O futuro é aqui!).

O final do século XIX pareceu viver uma nova espécie de renascimento- E que século de mãos![2] - Dostoiévsky, Machado de Assis, Eça de Queiroz, Zolá, Strindberg, Stendal (para ficarmos só aqui...)

Essa tendência de desmitificação dos valores - desde o realismo - veio se consolidar finalmente nos escritores do pós-guerra (No caso, nas duas guerras do início do século XX), nos movimentos europeus de vanguarda e na psicanálise. No entanto, foi curiosamente na “Arte moderna”, e hoje em dia nos fenômenos de cultura pop, que houve uma inversão no epíteto.

Os deuses, na antiguidade, se portavam muitas vezes como mortais em suas ações mundanas. Tinham raiva, inveja. Possuíam diversos amantes. E mesmo assim, nunca deixavam de serem deuses. Hoje, os heróis, quando assumem a sua porção humana, são considerados anti-heróis, como o Deadpool ou o Wolverine.

E ao contar com o termômetro de popularidade desse velho-novo gênero demasiado humano, lotando salas de cinema, em detrimento de tipos como o do super-homem (aquele modelo de perfeição que veio lá de outro planeta, inalcançável sobre as alturas... como sonhava Friedrich Nietzsche...), onde a narrativa de uma trama possa se iniciar- por exemplo- a partir de um tiro na bunda[3], muitos já devem estar até por aí dizendo: deus deve estar mesmo morto.

 

 
[1]  Teoria sobre o qual, a mistura de composto orgânico, em função de determinadas condições, podem ter dado origem a vida na terra.
 
[2] Trecho do poema Arthur Rimbaud, “Sangue Mau”.
 
[3] Cena inicial do filme Deadpol.
 
 
Autor: William Eloi...
 

quinta-feira, 23 de março de 2017

If not now, When?

Na foto: Nara e Nando Click: FotoLumina


- Como assim você ainda não entendeu?

Com a premissa máxima de viver e deixar viver e mantendo seus princípios acima das personalidades, o casal ansiava ter paz e serenidade por 24 horas de cada vez.

O importante era dar uma chance para o novo acontecer.

- Na minha semana só eu posso amar com minhas armadilhas.

Aprender a usar suas energias para criar uma existência rica e compensadora para si estava sempre no topo da lista:

- Eu não sei como poderei fazer você se sentir melhor. Compreenda que isto está indo de mal a pior. Mas é só hoje. Hoje é aquele dia.

Ela abriu a boca e ele pensou que ela finalmente iria dizer algo. Aí ela espirrou. E o silêncio permaneceu.

Uma vida de "quase" é uma vida de "nunca".


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terça-feira, 21 de março de 2017

Why not?

Na foto: Narayana Click: FotoLumina



“Uma relação tem de servir para tornar a vida dos dois mais fácil. Vou dar continuidade a esta afirmação porque o assunto é bom e merece ser desenvolvido.”

Dormia a sono solto após dobrar-se: não sabia que preces faziam cair de joelhos. Eu não queria ir embora sem saber algo mais. Aquele suspiro de tamanho incomum encheu meu peito e se derramou em revoadas por sobre minha cabeça. Percebi que tudo parecia não passar de um equívoco. E uma necessidade que não ia embora de ocupar os dias com gestos e ações que encobrissem uma sequência interminável de frustrações em minha vida plena de estranhezas, solidão e um inabalável encantamento quando te via dormir. Minha jornada me pedia para fazer coisas que a cada passo que eu dava estava cada vez mais distante do meu objetivo íntimo. A rua já não parecia uma extensão de mim. Aqueles meios-fios repletos de lixo, esgoto estagnado, um ou outro carro perdido... O significado da palavra mistério parecia ter quadruplicado em suas nuances cada vez que passava a mão na testa pretendendo enxugar o suor que escorria por conta do esforço.

Quanto mais eu me mantinha ali parecia se fazer o cerco sobre minha pessoa. Até seu rosto parecia estar coberto de sombras como um vestido noturno. Achei cigarros em cima da mesa, mas quem os colocara ali? Senti as luzes escorrendo pelas frestas da noite, tentando me seguir. Poderia ter corrido, mas no meu íntimo eu me dizia para ficar. Não consegui chegar sequer até a porta: um tapume de borboletas noturnas impedia minha passagem. Minha boca começou a despejar palavras desconexas no ambiente e nos seus ouvidos, como se eu pudesse captar o flapear das asas ou o hálito dos seres que eu havia flagrado saindo aos poucos de perto de nós. Peguei suas mãos entre as minhas e comecei a desejar uma pistola na cintura. Quis correr no sentido da praça onde aquelas velhas se sentam e se riem às gargalhadas cheias de escárnio. Continuei ali. E os pensamentos continuaram a vir atrás de mim. Até que tudo parou. E vi luzes refletindo os quadros nas paredes. Minha vaidade sendo tangida pelo medo. Olhei através da janela onde se via, com muita caridade, algumas estrelas. Lembro de que corremos feito loucos, mas nenhum vestígio seria encontrado.  Atrás de nós: lesmas. Até que um dia paramos e colocamos as mãos na cabeça, sapateando e gritando uma torrente de desespero e loucura. As coisas pareciam se assustar com os berros que saiam de nossos lábios finos. Só ficamos nós, a escuridão e as parcas estrelas no céu. Eu que estava de pé, desejando uma pistola à mão, debrucei-me para colocar sua cabeça em meu colo e, enfim, perguntar, quem era você.

--Você já me conhece...


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segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017






"Você não é obrigado a nada. Você não precisa casar, nem ter filhos, se nunca desejou. Nem fazer compras em Miami. Não precisa ter aquela bolsa marrom, não precisa ter carro, nem amar bicicletas, não precisa meditar.
Só precisa ter cachorro se quiser. Entender de vinho: não precisa. Barco, casa no campo, Rolex, ereção toda vez, cozinha gourmet, perfil no Instagram... Não precisa. Você não é obrigado a gostar de carnaval, nem de samba, nem de forró, nem de jazz.
Você não é obrigado a ser extrovertido. Não precisa gostar de praia. Nem de sexo você é obrigado a gostar. Balada, barzinho, cinema. Missa no domingo. Reunião de família. Não, você não é um ET se não estiver afim.
Acordar cedo, fazer exercício, conhecer os clássicos, assistir os filmes do Oscar, a banda de garagem que ninguém conhece. Você também não precisa conhecer. Paris, Nova York, Londres...
Gosta muito de viajar? Não? Então não vá! Tá sem namorado? Alguém vai dizer que você não é feliz por isso. E é mentira. Seu cabelo não precisa ser alisado. Nem você vai ser muito mais feliz se for magro ou magra. Também não precisa gostar de comer.
Peça curinga no guarda roupa, perfume francês, dentadura perfeita, curriculum vitae, escapulário. Sucesso. Não, você não precisa dele. Se for para ser obrigado, nem feliz você precisa ser."



-Nelson Barros