Echo, echo, echo(...)

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Franca existência


Na foto: Narayana Ribeiro.
Estava distante, mas não completamente afastada de seus pensamentos fúteis. Mantinha uma atitude entre amistosa e desconfiada em relação aos que se aproximavam. De um lado sentia-se bem, especialmente entre os abraços e cortejos que lhe eram distribuídos por aqueles corpos considerados os depositários da melhor tradição do Conde de Rochester. De outro, embora admirasse, também desconfiava da sofisticação das ações e da intelectualidade, do ar superior e cético com que conversavam esses mesmos corpos nas reuniões regadas a vinho.
Perdia-se entre leituras e artigos para jornais, e desenvolvia atividades propriamente acima das divergências: insinuava que estavam todos sempre errados. Pose ou não, mantinha sempre esse comportamento.
Sentia-se bem disposta, punha-se ao trabalho, tranquila, absolutamente certa de ser uma pessoa livre. Admitia que se tratava de uma sensação insólita, já que todos estão presos a algo de uma forma ou de outra.
Foram pequenos acontecimentos, detalhes talvez sem maior importância. Mas que revelam o clima em que ela vivia. Na verdade, desde de sua nascença, em julho, trinta anos antes, os diversos setores da vida dos que a conheciam estavam sempre numa progressão de boas ocorrências, unificando os mais diferentes círculos em torno dela, e cuja pretensão só poderia estar mesmo em continuar sendo a própria sentença de “viva e deixe viver.”
Passava os dias desapercebida de que era vulnerável exatamente na sua grandeza, nos seus escrúpulos, no que tinha de mais civilizado e mais nobre: sua coerência.
Depois, esquecendo-se de quem era, apaixonou-se sem entender que mesmo sendo justa e obedecendo suas próprias vontades, não deveria se jogar aos pés de outra pessoa. Dessa forma não seria correspondida. O amor não-recíproco não respeita nenhuma barreira, subjetiva ou objetiva. Em termos de “eficiência”, a luta é por demais desigual, porque sempre são desiguais as armas que um e outro se dispõem a utilizar. Em suma, nesses casos, sempre vence o pior.
Deixou as argumentações arrasadoras de lado e justificou seus atos, cheia de ironia e perplexidade.
Apaixonou-se tolamente e teve a honra reduzida a pó. Sua concepção de como levar avante o amor que sentia e pôr em prática a forma como deveria agir, eram incompatíveis.
A revolução a que seu coração era submetido era permanente, sem pausas, sem compromissos lúcidos, sem composições hábeis, com uma postura submissa e pequena: foi pega de jeito, de forma avassaladora. E por esse mesmo motivo, não hesitou em meter uma bala na cabeça quando teve a chance.
Seria sem cabimento indagar, finalmente, até que ponto o amor não-correspondido pode perturbar alguém, com suas inconveniências e suas pregações inexatas, e até que ponto o alvo de um amor assim deliberadamente não enxerga um perigo real que justifique cautela para uma possível ação violenta e repressiva.
Manteve-se artificialmente viva durante semanas, antes de se matar, tornando-se a grande traidora da própria causa, o anjo caído, a grande inimiga, fazendo do amor não-correspondido o eterno pretexto dos fracos para exercer cada vez mais a fundo a inconsequência final junto a própria existência.




Talvez continue(...)*

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