Echo, echo, echo(...)

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Conto

http://arrozcomtodos.blogspot.com/2010_10_01_archive.html

Uma mão segurando um canudo. Meus pensamentos tímidos tropeçaram na malícia que me invadiu ao vê-la ali, sentada, dedo no canudo que sugava o drink, sorrindo para mim um sorriso inimaginável... Recriminei-me por olhá-la: sabia que meu pescoço, esse órgão flexível dado por Deus e aperfeiçoado pelos pensamentos enviados pelos diabos não iria ficar parado. Seus cabelos e seus olhos pareciam pouco a pouco travestirem-se de górgonas verossímeis que petrificariam meus movimentos a qualquer hora que eu olhasse para ela. Ainda assim, olhei. Ela parecia desenhar no caminho da brisa que soprava entre nós uma trilha que ligasse pensamentos e malícias: uma torrente de sensações percorreu desde minha espinha até as hastes dos meus óculos. O inusitado vestia-se com uma bruma imperceptível de brisas e desejo. Perguntava a mim mesmo o que teria iniciado aquela estranha interação.
Estranho foi passar por aquela Santa Inquisição, de labaredas mais prazerosas. Mas, ao contrário do que pensava o lado sazonal dessa malícia improvável que me tomara, o calor do meu corpo com o olhar curioso dela. E ela se foi, sorrateira, olhando para trás, como se me desprezasse.
Cheguei em casa e me deparei com esse desafio na minha caixa de mensagens:
Tome essas linhas como uma oferta, moço bonito. Sinto o calor que vem de você me arrepiando as linhas do rosto.
Aquilo não era a noite, meu bem: era vontade de te ter.
Foi quando eu te vi com aqueles óculos de grau e pensei: meu Deus, que homem lindo! Um intelectual com certeza! E senti ondas arrebentando nas pedras às dez da noite e senti o dia raiar dentro de mim e através de você. E quando me aproximei ainda tive essa impressão – você em sua timidez me passou à perna. Mas indiferente aos avisos que possa ter recebido, preferi acreditar na falsa impressão e ser feliz em meu engano. Às vezes eu me sinto uma figura fantástica, recolhendo rosas vermelhas de um buquê que acabo de ganhar.
Só penso em você quando te vejo. Quando bate o vento eu sigo preparando a tempestade para você e para mim. - Vi você em todas as suas formas, inclusive as reais. - Notei quando se aproximava com mesuras e gracejos de rapazote no cio – atitude que conheci muito bem e aprendi cedo a odiar.
A vida não é uma ópera, querido: a vida é seu rock and roll e minha pimenta. Mas o que poderia querer mais, queridinho? Abandono você e você me ama:
você me tem com dificuldade.
Ter. Eu quero tê-la como se tem uma doçura ao final da noite. Como em uma contagem regressiva em que uma ladainha profana se multiplicando...
Tell me that you wanna hold me
Tell me that you wanna whore me
Tell me that you gotta show me
Tell me that you need to slowly
Tell me that you're burning for me
Tell me that you can't afford me
Time to tell your dirty story
Time turning over and over
Time turning four leaf clover
E ela, em meus sonhos, dançava lascivamente, molhando meus olhos com o produto da sua saliva, repleto de odores de beijos trocados, fechando decotes e zíperes com um grave sentido de esfinges, lançando o velho desafio, ao final da noite:
Decifra-me ou...
Fiquei olhando a peregrinação dela por meu recanto, o jeito maroto de ela limpar o canto da boca após brincadeiras selvagens, o riso magro que cortava o caminho entre nós dois. Parecia passeio no meio dos meus mais distantes devaneios. E como um devaneio eis que ela se foi, sorrateira, enquanto eu aguardava, tonto, no quarto.
Fui caminhar...
Não sei quantas noites peregrinei tentando resgatar as palavras que aqueles olhos enunciaram naquela hora em que minha timidez veio por terra. O pequeno riso dela que escorria pelo dedo que ela mordia, sapeca, vinha à minha alma como um pequeno canto de pardal: e ainda assim, cruel.
Eis uma pista, deixava na caixa de mensagens:
(...)* você me tem com dificuldade. Como uma ária que desfila em meus ouvidos, como um reflexo meu em teus óculos. As rosas vermelhas da minha fantasia parecem impregnadas de tua realidade e real me sinto longe de ti, buscando o inusitado de nossas horas juntos. Tua beleza me sufoca como o teu corpo sobre mim na hora de um gozo inimaginável, um beijo no pescoço ou uma mordida no lóbulo de minha orelha... Eu te tenho com dificuldade.
Procura-me. Tenha-me. Decifra-me.
Devora-me.
Saí à rua acossado pela voz que emanava daquela mensagem. E, transpassando o primeiro degrau para a calçada ela segurou meu braço, docemente.
Que seja hoje. Para sempre. Do inusitado encontro, a certeza da paixão.
Partimos. Mãos dadas com o destino. O abismo a nossa frente nos puxava com a maciez de três línguas. Ela encostou a cabeça em meu peito e suspirou. Suportei que ela pegasse o que quisesse de mim por instantes eternos, e permiti que duas lágrimas longas e sentidas escorressem em fio por seu rosto.
A dificuldade era sempre a mesma: desatar os nós que nos uniam.
Nós nos tínhamos com dificuldade.
Nós nos causamos bem estar.
Nós nos causamos mal estar.
Temos raiva um do outro
Amamos-nos um ao outro.
Não queremos filhos
Ela não quer
Eu não quero
Então eu acaricio o ventre inchado e a empurro de leve para o abismo.
Ela segura minhas mãos: quer que eu vá com ela.
Digo que não estou preparado.
Estudo uma maneira de fazer com que entenda. Eu a encaro olhando nos olhos e o reconhecimento aparece. Então ela gira o corpo, como adorável bailarina, e troca de lugar comigo me oferecendo ao abismo.



- Narayana Ribeiro & Alisson da Hora

quarta-feira, 14 de setembro de 2011


Chegou de mãos dadas com um cara que conversava umas lorotas do tempo que vovó era paquita.
Depois de dois drinques o cara arrotou igual a um porco e bateu com a palma da mão esquerda na barriga: “pronto, vai peidar”, eu pensei.
A minha amiga que chegou com ele? Ah, ela escreve bem, sorri lindo, bebe pra caralho, é boa numas outras tantas coisas mas, puta madre!, nunca vi tamanha incompetência para escolher um cara pra sair de mãos dadas num sábado à noite – se “esse cara” fosse pelo menos só para trepar e tals, mas era sempre mais que isso. Eu, como boa amiga que era, só dava pitaco quando requisitada, no mais, mantinha minha boca um túmulo. É chato saber que coisas ruins podem acontecer ao se falar a verdade nua e crua pra quem não te pediu opinião. Mas as pessoas deveriam permitirem-se ser francas desde o começo: não se deve mentir por medo de que as pessoas possam não gostar de quem somos. Nada de falsa modéstia, senhores, espero que não queiram isso para vocês. Lógico que não vamos sair por aí dando uma de “repórter vesgo” e arrotar falta de educação na cara das pessoas. Devemos resplandecer felizes por sermos quem somos e não nos envergonharmos de não podermos nos impedir de o ser. Vejam bem, falar a verdade não quer dizer falar de qualquer jeito – isso pode magoar. Antes de tudo vale a pena se pôr no lugar do outro (just in case). – Claro que se deve melhorar dentro do que se é, mas a essência não é mutável: podemos melhorar ou piorar dentro do que somos, mas não podemos mudar. E desta vida o que será válido? Certamente a maioria de nós é sempre seduzida pelo sabor de aventura que a vida oferece. São formas variantes, na verdade, que estimulam a alma emotiva do ser humano, que permitem que ele esteja bem, e só quem não tem sensibilidade se atrapalha com elas – essas formas variantes são grandes oportunidades de vivência, e de aquisição de sabedoria. É maravilhoso quando a caminhada através da vida nos força a se enquadrar dentro do verdadeiro eu – como num teste de sobrevivência. Muita gente acha que o próprio sofrimento é sempre maior que o de qualquer outra pessoa no mundo, como se estivessem numa disputa onde ganha quem está na pior. Isso é uma bobagem. Nunca canso de dizer: a vida é doce, senhores.
Mas essa é a minha verdade. Não quer dizer que a minha verdade seja a sua verdade. E quais seriam as verdades existentes? Que moral temos para falar dos erros de alguém se nós cometemos os mesmos erros, talvez erros piores? Então ao invés de “arrotar verdades” na cara da minha amiga, que já estava visivelmente morrendo de vergonha por causa do cara “muito massa” com o qual ela estava saindo, eu fiquei me divertindo com “a vida como ela é”. (Nelson Rodrigues estivesse por ali escreveria um roteiro e tanto). E eu pedi mais um drinque irado, pois já que Deus estava ocupado, quando se está biritando dá para suportar a visão do capeta (e eu nem me pergunto mais porque que a gente é assim).

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

De - des - formado

Na foto: Narayana & Drama Queen.


Chorei por dentro.
Chorei ao dormir.
Encontrei-me num tipo de encurralamento destrutivo por mim mesma construido.
Uma barreira do inferno.
Pensei comigo mesma:
"será que,
já que todos estão juntos,
a errada sou eu?".
Mas em qual aspecto?
qual a minha certeza nisso tudo?
Agora eu sei bem o que eu tirei desta prova toda..
Nem sempre as pessoas se unem por algo apenas em comum (bom ou ruim),
ao longo do caminho alguém vai ter a prova de tudo:
........................................"Valeu a pena?"
Presisamos ser boas pessoas e não tentar magoar ou maltratar ninguém.
Pois isso é feio,
é ruim
e retorna num círculo vicioso nocivíssimo que te atinge como uma rasteira revertido em um bote de cobra cascável.
Eu estava certa.
Tudo pelo que eu passo ,eu mereço - tudo - e preciso ficar calada e aceitar..
no final das contas
é como você lidou com a situação que vai te dizer o que você merece ter de troco.
.........................................Qual foi o seu revide???
.........................................O que você tomou como arma?
.........................................Quantas pessoas conseguiu ferir???
.........................................E seu eu interno como ele se sentiu ferindo ou massacrando, ignorando, desejando um mal por longas gerações???
.........................................Quantas vezes você desejou morrer para que tudo acabasse logo?
.........................................Quantas horas pensando e repensando sobre e querendo saber/poder fazer algo?como fazer isso?onde e quando fazer - o que??????
Todas essas "nada-conclusões" onde não obtive resposta alguma além de me deixar mais confusa
apenas me fizeram enxergar o quanto tenho que pensar antes de qualquer coisa ou mesmo de agir.
Quando tudo foi esclarecido,quando tudo retornou para mim era eu quem estava por cima.
........................................Eu estava certa.
........................................Eu estava certa,não os outros - todo mundo errado.
e depois dormi tranquila ouvindo um ronco baixinho e bem familiar.
Pude obsevar um pouco mais o quanto a vida me reserva surprêsas.
Susprêsas comuns,que a gente quase espreita lá longe.........................
dois palmos de distância
O meu labirinto não termina.
O meu caminho é muito torto mas finda.
Até lá eu vou estar tão atenta quando um coala comendo eucalipto trepado longe do solo com o ventinho nas orelhas e sentindo-se/me livre até o próximo galho........


O mundo sempre esse..
Voltas e voltas e voltas...

Como é bom estar viva!
O estalo parece nunca vir.
O pensamento que te vai trazer paz - aquilo que é sua resposta para tudo.

É sempre depois de muitas lástimas que você nota que merece tudo de ruim que te acontece,
mas que nada é culpa sua - é apenas e sempre o que faz parte de sua natureza humana:
mesquinhar,
apedrejar,
corromper,
julgar.

 (Drama Queen).

Obs.: Texto publicado originalmente em: http://gringosbar.blogspot.com/

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Afinal, de quem é o mundo?




Por sorte eu tenho cruzado com uma galera bacana ultimamente, diferente de minha irmã que me contou uma história bizarra sobre uma vaga de estacionamento.

 Seguinte, tinha um carro saindo de uma vaga no supermercado e um cara na terceira idade estava esperando pacientemente a retirada do primeiro quando, do nada, um terceiro carro surgiu preenchendo o espaço do estacionamento.  




O cara colocou a cabeça para fora da janela enquanto manobrava:

- Aê, vovô, se liga. O mundo é dos espertos.

O “vovô”olhou sério e literalmente enterrou parachoque e parte do capô do próprio carro na traseira do carro que lhe tomou a vaga:

- O mundo é de quem tem dinheiro – foi o que ele disse saindo do carro, batendo a porta e virando de lado para jogar, cheio de cinismo, um cartão de visitas com seus dados – Fale com meu advogado.

Não dá pra saber quem era mais esperto, não é mesmo? Muito menos quem era o mais doido. Vai saber. Eu não vou saber. Não os conheço, nem um, nem outro. E apesar de ter rido, contado a história como se fosse minha, tirado a maior onda, não estou bem convencida de que eu faria como o “vovô” nem de que ficasse sem reação como o otário sem educação fez. O fato é que a história é muito boa de contar, mas com certeza se fosse com alguém que eu conheço talvez não fosse tanto assim. E pensando bem, o final nem é tão essas coisas: saber que o mundo é de quem tem dinheiro me deprime. Isso é cruel. 

                                                Não conheço outro remédio. Só rindo mesmo.


terça-feira, 23 de agosto de 2011

(Sem) saco – cala a boca.

 
Então, lá estava eu tentando escrever algo pertinente para o blog e nada. “Já sei: vou abrir a garrafa de vinho, tinto, seco, de R$ 6,00”. Sentei, bebi, tentei escrever. Nada. Puta merda e agora, José, para onde? Daí vou escrever sobre minha falta de inspiração hoje. É isso. Vou fazer uma coisa que detesto: escrever sobre a minha falta de inspiração – com toda essa desenvoltura que a falta do que escrever trás, tou igual a Raul Seixas: vou rasgar dinheiro e botar fogo nele, só pra variar (se bem que no meu caso, a única parte em que me encaixo é no “só pra variar”, pois rasgar dinheiro e tocar fogo eu não faria, nem se todas as notas de cem estivessem riscadas com frases de macumba). O que tá pegando é que eu tou meio atrapalhada, tentando fazer mil e uma coisa funcionar: abrindo empresa, revisando livro para a revisão profissional, orientando uns conhecidos que estão de bode por causa de uma mina (ou uma amiga por causa de um cara), atendendo aos telefonemas esperados de minha mamãe (que me liga oito vezes por dia) e matando cachorro no grito por causa da “liseira” sem fim que consumiu minhas riquezas nesses últimos meses. Claro que com o mundo girando, eu sei que a empresa vai abrir com força, o livro vai para a revisão, meus amigos encontrarão alguém que os faça felizes et cetera, et cetera, et cetera. Com certeza minha mamãe vai continuar me ligando oito vezes e o dinheiro eu vou recuperar só mais tarde, mas, como já foi dito: o mundo gira e põe tudo em seu lugar. Enquanto isso, desculpem essa bosta de post, senhores.

Um abraço,
Narayana Rios.

Obs.: Tou igual ao menininho da formiguinha: Que dó, que dó! http://www.youtube.com/watch?v=Nq0GP4yQup4&NR=1&feature=fvwp(O problema é que a formiguinha no momento sou euzinha. Rá. E o espelho que me diz: chupa essa manga.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

VARIAÇÕES




Quando a lua tornou-se minguante, ouvi apaixonados suspirando.
Meu coração é um turbilhão de violentas emoções.
Meu coração é a solidão no bar que acabou de abrir.
Vejo a morena alta e gorda que se aproxima e deixo que ela coloque a mão sobre a minha.
Ela se debruça bêbada e bebe meu único copo de água-ardente.
Ela foi a perdição da minha vida desde aquele instante: gerava um filho que não era meu.
Pedi que o único garçom colocasse uma música triste e, com a mesma tristeza, levei minha perdição ao banheiro, para que algo de mim estivesse no filho.
Saí tropego: "Meu Deus, não sou muito forte."
Meu coração gemia um único verso aranhado e desnecessário.
O dia raiou e eu fui para a casa onde poderia dormir com a loirinha, que já me esperava morna em cima da cama.

- Salvador Rios.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Momento ìntimo



Encostei minha cabeça em seu peito como forma de terapia.

Fiquei lá todo indefeso, incapaz de impedir o que você queria fazer, tendo de agüentar você sendo má – eu sei que você sabe como fazer isso.

Então adormeci e tive um sonho parecido com o de Jacó: anjos andando por uma rampa nas duas direções, descendo do céu e subindo até ele.

Quando acordei minha cabeça já não estava em seu peito, nem você estava mais lá. Seria possível negociar com Deus?

“E para que serve a alma se não a puderes negociar?”- era o que tinha lido num daqueles livros silenciosos que me encaravam diariamente.

E aí se formou um estranho alarido dentro de mim e eu quis te telefonar para saber como estava, o que me foi assustadoramente estranho

já que nunca me importei realmente com isso.

Eu liguei, mas ninguém atendeu.

Então eu virei para o lado e dormi. Decerto amanhã tudo estará bem.




-Salvador Rios*, 2005.
Texto publicado originalmente em: 27 de novembro de 2009

 

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

A Amiga


Outro dia eu estava com Samir num barzinho legal, quando uma amiga apareceu. Fazia muito tempo que eu não via Micheline. Ela era uma dessas mulatas de arrasar quarteirão, mas não tinha um pingo de juízo, era doidinha, doidinha. Chamei para sentar junto conosco, não só por educação, claro.
Ela estava ainda mais bonita do que a lembrança que eu guardava dela na memória: cabelos longos, lisos e negros tais quais os cabelos de Iracema, que aliás tivesse sido criada nos tempos atuais, Iracema seria totalmente inspirada em Micheline. E ela era alta e tinha um corpo bonito. Seu sorriso era branco e contrastava com a pele morena lisinha. Eu disse “e aí, menina, o que anda fazendo da vida?” e a danada me respondeu depois de dez segundos de silêncio “virei puta!” Enquanto eu quase engasguei com a cerveja, o palhaço do Samir caiu na gargalhada. Eu disse “como assim, sua doida?! Tá de onda com a minha cara, não é?” Mas aí ela sustentou o que havia acabado de dizer, e o bosta do Samir, que estava se borrando de rir, arregalando os olhos verdes de vez em quando, começou a me pedir, com apertões no ombro, que eu colocasse a vadia na mão dele. Vejam só! Era só o que me faltava: uma amiga vadia e um amante cachorro! Surpresa, paciência, discrição, suspiro, longo gole de cerveja.
Passado o baque inicial, comecei uma conversa com uma pergunta:
  • Micheline, como é que foi isso?
  • Ah, menina. É uma longa história(...)
  • Mas conta que eu estou louca para saber. Você não ia terminar a faculdade de Turismo?
  • Larguei depois que comecei essa nova empreitada: agora faço Direito. Assim que me formar monto um escritório, ou então viro escritora de best seller como já vi umas colegas de profissão fazerem por aí.
  • Sei. - pausa - Mas, e aí, vai contar ou não como foi isso?
Riso, riso nervoso, constrangimento ante o amante. Sinalizo dizendo que ele provavelmente não lembraria de porra nenhuma no outro dia: ele era muito porra louca para isso. Ela pareceu confiar no que eu disse – não poderia ser de outra forma afinal, era a mais pura verdade: ele não lembraria de nada no outro dia, porém quando estivesse na secura e de saco cheio de mim com certeza ele perguntaria por ela.
Micheline começou então o relato detalhado de como havia se tornado uma “mulher da vida fácil”, seja lá o que essa expressão quer dizer. Ela disse “lembra daquele meu amigo que tinha uma tara filha da mãe em mim, o Michael? Pois é, um dia estava tomando vodca com ele numa boate e ele do nada me passou uma proposta: ele queria chupar meus peitos e pagaria o preço que eu escolhesse por isso.”
Aí Micheline contou que não respondeu nada, que olhou para Michael pediu licença e foi ao banheiro. Quando ela voltou, pensando que ele mudaria de assunto, ele disse “muito bem, Micheline, eu te pago 300,00 reais para que você me deixe chupar seus peitos por meia hora!” Ela disse que não teve como recusar, mas não aceitou logo de cara, e como ela fez jogo duro do tipo “mas o que é isso, cara! Nós somos amigos!”e Michael percebeu que faltava muito pouco para que ela aceitasse a oferta, ele deu uma incrementada na proposta: “eu pago os 300 e mais o nosso consumo durante a noite! Depois ainda te dou um bônus!” Micheline engolia a última dose de vodca, enquanto Michael já pedia a conta para o garçom. Paralisia, goto, olhares nervosos, nervosismo de ambos.
Pegaram um táxi e foram parar numa suíte temática de um quarto de motel de luxo. Ela disse que lembrou de haver pensado “como é que pode, um cara já nessa idade – 41, agindo como garoto! Seria Michael um louco? Claro! Era isso: ele era um louco!” Mas então o que ela seria? Ela ligou o ar-condicionado, mesmo detestando frio, e pediu que ele lhe servisse uma bebida, pois estava ainda sem acreditar no que estavam fazendo. Ela virou uma latinha de cerveja e pediu mais uma. Ele pegou para ela, e como num rompante de cavalheirismo, esqueceu a tara nela e disse que se ela não estivesse à vontade eles poderiam ir embora. Micheline disse que tirou a blusa bem rápido nessa hora, afinal 300,00 reais são 300,00 reais, e tirou o sutiã devagar de costas para ele, que se não estava babando ainda era única e exclusivamente porque era isso que o separava de um garoto: experiência. Minha nossa o que aconteceria? Praticidade, bebedeira, exclusividade recém conquistada, saciedade momentânea, pedidos convenientes.
Quando Micheline se virou poderia jurar que ele voaria em cima dela, mas ao contrário, ele apenas sorriu com o olhar petrificado admirando seus seios morenos, seu colo perfeito e já não tão jovem, embora não aparentasse ainda sua real idade. Michael pediu que ela se aproximasse dele, e com calma, pegou os seios dela com ambas as mãos, falou com eles, acariciou muito, e depois dedicou-se a arte de sugá-los. O mais incrível é que ele, o tarado dos seios, chupava com delicadeza e quando era mais intenso, mesmo assim, não a machucava. Será que ela estaria bêbada e por isso não conseguia sentir as coisas direito? Será que ele, o maníaco guloso, tinha a técnica mais perfeita de como se chupar uma mulher - como um filho que mamasse tranquilamente? Perguntas, dúvidas, dívidas, preços, fantasia e ônus.
Micheline disse que ele ficou sugando seus seios durante a meia hora que haviam “combinado”, nem mais nem menos. Ele era um homem de palavra então. Se bem que no embalo ele havia pedido um beijo na boca que ela recusou dar, ainda me confessou, mas um beijo era o de menos diante do que já acontecia, não é? Assim penso eu. Vai ver que ela não.
Eu escutava a história com interesse total. Samir, o meu amante, assistia um jogo de futebol que estava sendo transmitido na tv do bar. Micheline ainda disse que Michael apertava seus seios com as mãos e ficava falando com eles frases do tipo “por que vocês são tão bonitos? Por que parecem ter 17 anos?” ela disse que ficou rindo disso depois, na hora só pensava na grana e como as coisas tinham chegado nesse ponto parecia já não importar mais. Ele, o fascinado quarentão, tinha encerrado a diversão dizendo que “existe o ônus e o bônus. O bônus é o que fica.” Como eu não entendi essa última parte, ela me esclareceu dizendo que ele ao dizer “o bônus é o que fica” fez um gesto como quem está se masturbando. Eu disse “ah, tá.” Súbita compreensão, pernas descruzadas, aceno com a cabeça para o amante.
Ainda soube que eles, o tarado e a futura puta, foram embora no mesmo táxi em que entraram no motel.
A tarde passou logo enquanto eu escutei umas outras duas histórias de Micheline. Mulher mais doida que eu conhecia, talvez única puta confessa que eu conhecia. Samir e eu nos despedimos dela e fomos embora.
Ontem eu brinquei dizendo que iria chamá-la para tomar uma birita e Samir disse para deixar quieto. Perguntei “por quê?” e logo ele, que é o mestre de ficar afim das minhas amigas, disse a seguinte frase: “Não vale à pena, ela não é ouro, é apenas Micheline.”
Pois é, vai entender.


terça-feira, 2 de agosto de 2011

Quando o Conceito de Bem-estar é Enganar


Fui caminhando entediada pelas ruas do centro da cidade. O calor era insuportável e meu carro, que eu tinha comprado há apenas cinco meses, tinha sido roubado. Saco. Precisava pagar umas contas, fazer umas compras para o jantar, ir à manicure(...) e tudo à pé. Agilidade, cansaço, tédio, masmorra e guilhotina.
O amante com certeza estava me esperando em sua casa já com algo pronto para comermos. Ele cozinhava muito bem – habilidade que havia conquistado trabalhando numa cozinha enquanto morou na gringolândia.
Samir era espirituoso e engraçado, mas mais que isso: ele era um folgado: esperava que EU ligasse, que EU perguntasse se estava tudo bem. - Ao menos ele lavava a louça e era organizado, quando me mudei da casa de minha mãe eu já sabia disso.
Samir e eu já estávamos juntos há dois anos, sete meses e quinze dias. Nem sei como isso aconteceu. E por não saber, havia acreditado na história dele de que eramos amigos de um arraiá qualquer, embora não fizesse o menor sentido para mim, era a única coisa que me vinha na cabeça quando questionada sobre o início do romance. Então era essa a resposta que eu dava: “Sim, ele é um amigo que conheci num arraiá sei lá quando e levei para casa.” Inconsequente, afogueada, débil.
Minha mãe me perguntou se eu não poderia namora-lo ao invés de me mudar para morar junto. Respondi que não, e mesmo sem entender ainda hoje o porquê de eu haver me mudado num espaço de tempo tão curto – seis meses – fui de mala e cuia morar no flat dele.
O cara era um veterano do rock e era trilíngue: falava inglês, francês, português (que também chamo de brasiliês), vivia de pensão, era louco, não tocava, nem escrevia, seus gestos eram duros e às vezes gritava quando falava. Nesse sentido, o que quer que eu pudesse dizer em seu favor seria invenção minha para tentar suavizar o fato de ele ser um completo junkie. Eu dizia “Samir, meu bem, vamos tentar produzir algo bacana, pôxa, você é um cara tão inteligente. Tenho certeza que deve poder fazer algo legal, ou pelo menos tentar.”
  • Claro. Por que não? Amanhã vemos isso.
Então eu olhava impaciente para ele e me sentia forte, correta, inacessível, uma mulher fantástica convivendo com um homem franco, porém incapaz de gestos sensíveis, mas que podia me sustentar apesar de tudo. - às vezes eu me questionava se isso seria suficiente. Será que era apenas isso que eu merecia? Você sabe a resposta, leitor? Eu sei a resposta: eu mereço o que estiver disposta a merecer. Sei disso tanto quanto sei quem sou. Fortaleza, muro branco, decisão (ou a falta dela) e comportamento lascivo.
Uma vez, quando ainda não morávamos juntos, o pai dele havia emprestado o próprio carro, que não era lá essas coisas, mas servia para não se andar à pé. Samir poderia me pegar em casa e devolver o carro depois de uma hora, uma hora e meia. O que é que ele faz após me buscar? Pára no primeiro bar que vê e se faz de doido. Eu disse: “cara, e se seu pai precisar do carro?” no que ele diz: “Empresta seu celular para ligar para ele então.” Samir nem celular tinha, ai de mim. Eu disse: “Pega, liga logo.” Ele ligou, falou com o pai, e depois que desligou olhou com uma cara de demoninho que só ele tem, e disse que antes de sair da casa do pai ele tinha pego as chaves do carro da irmã e colocado no bolso. Perguntei o por quê, ele disse “adivinha”(...) a irmã dele tinha acabado de fazer uma viagem para a França e deixou o carro no estacionamento do condomínio onde morava e as chaves do carro com o pai deles.
  • Nós vamos lá no condomínio da minha irmã, eu falo com o porteiro, pegamos o carro dela, você vai levando esse carro do meu pai e eu levo o outro, deixamos a Parati num lugar estratégico para que meu pai não veja, devolvemos o carro dele e vamos curtir na Parati da minha irmã!
  • Samir, você definitivamente não bate bem da cabeça! Tá vendo que eu não vou fazer isso com seu pai! E se sua mãe descobre? Não. Eu gosto muito dela e ela me odiaria se descobrisse.
  • Porra, Gabi! Você desse jeito cai no meu conceito! O que é que custa sair um pouco? Vamos, vai dar tudo certo.
Eu retruquei, retruquei, mas após vinte minutos e duas cervejas acompanhadas de um “migué” daqueles eu o estava seguindo no carro do pai enquanto ele guiava o da irmã ruas à fora.
Fomos à casa do pai dele, entregamos o carro e batemos em retirada até onde tínhamos estacionado a Parati para completar o restante da missão. Samir olhou para mim e disse “onde estão as chaves do carro?” eu disse “que chaves?” Ele ficou branco. “Gabi, eu dei as chaves do carro nas suas mãos. Onde é que elas estão?” Aí eu lembrei: as chaves da Parati estavam dentro do carro do pai dele, puta merda! Que situação. Samir começou a dizer que eu era a rainha do vacilo e ainda fez uma dancinha ridícula dizendo que era a dança de premiação do “nobel do vacilo”. Eu sem graça concordei. - Fazer o quê, não é? Tinha vacilado mesmo. Vacilado feio.
Voltamos para a casa da família dele e só para aumentar o nosso drama a mãe de Samir disse que o pai dele havia acabado de sair. “Fodeu! O coroa vai ver as chaves do carro da minha irmã e vai se ligar na minha estratégia.” Esperamos com um sorriso nervoso nos lábios. Samir me encheu o saco. Eu fiquei totalmente envergonhada. Compramos mais umas cervejas no boteco da esquina. Eu disse que ele tivesse calma, pois as coisas ainda poderiam dar certo. E deram: o pai dele, que tinha apenas ido dar uma caminhada na praia voltou, e, melhor ainda, não tinha notado as chaves da Parati bem em cima do banco do carona do próprio carro.
Passeamos muito, devolvemos o carro da irmã intacto ao condomínio, voltamos à pé para casa e ninguém nos pegou. Frio na barriga, corda bamba, suor, suor na testa latejando, sorte e sorte por tudo que fôr.
No dia seguinte Samir quis repetir a mesma operação. Dessa vez eu sequer contestei. Mas aí foi a vez DELE pisar na bola: imaginem vocês que dessa vez foi Samir quem deixou as chaves da Parati dentro do carro do pai dele. Ah, eu não me aguentei: fiz a mesma dancinha ridícula de repasse do “nobel do vacilo” para ele. Dessa vez não teríamos como fugir: seríamos pegos, com certeza. Ele disse que o pai dele sabia dar esporro como ninguém e que se ele fosse mais novo ou mais franzino com certeza levaria uma surra.
Eu disse “tenha calma que ainda há uma possibilidade de ele não ver as chaves. Já não tinha acontecido uma vez?” e Samir foi me deixar no ponto do ônibus. Eu morrendo de rir, ele, coitado, cabisbaixo. Aí começou a me dar pena dele, querendo ou não, ele já era um cara muito legal para mim. Deveria ficar com ele até que o coroa chegasse? Bom, eu tinha de ir para casa, por mais que a situação pedisse que eu ficasse. Ele disse “amanhã a gente se vê” eu disse “será?” Ventania, altura, ascensão, sensação de queda, espera e mais espera.
Cheguei em casa e fui ler um livro. Nem consegui me concentrar. Será que o amante iria se ferrar muito? Liguei a televisão. Interessei-me por um filme francês na tv a cabo.
Quando eu já estava quase dormindo meu celular tocou. Era o número da casa dos pais de Samir. Eu pensei “ coitado já está me ligando. Deve ter levado uma lição de moral daquelas.”
  • Oi, Samir.
  • Oi, Gabi. Se arruma que eu estou passando aí para te pegar para sair. Meu pai não viu as chaves do carro da minha irmã de novo, você acredita?
Então é isso. Dizem que um raio não cai duas vezes no mesmo lugar. E eu digo que não é bom confiar nesse ditado, não.

sábado, 30 de julho de 2011

Sete Dias de Sol Fraco.

Aconteceu, num passado não muito distante, de o amante ter-me dito que tinha um affair de um ano, mais ou menos, com sua primeira namorada, pela qual ele havia sido muito apaixonado. Ela morava em Manaus, muito longe de nós dois, então ela não representava uma ameaça para mim. Na verdade era como se ela nem existisse realmente, até o fatídico dia em que Samir me avisou que ela estava vindo vê-lo. Eu perguntei quantos dias ela ficaria, ele respondeu que um final de semana. Carência, mistura de sentimentos, respostas para perguntas que eu não tinha, perdição, danação, sensação de afogamento.

Dois dias depois, o amante me disse que “ela” havia ligado pouco antes da viagem e que eles tinham discutido, portanto ela iria cancelar a viagem. Eu disse para ele que se ela fosse esperta, como eu achava que era, ela não só viria, como acabaria conosco. Ele disse: “Lá vem a senhorita engolindo corda!” Pior que eu sabia que se ela viesse ele teria de dar atenção para ela, afinal de contas ela estava vindo de longe só para vê-lo e além do mais ela era a namorada original. Desconfiança, egoísmo, confusão, ciclo de confusão, nervosismo e indecência.
No dia seguinte fomos dar uma volta de bicicleta e paramos num bar para tomar duas cervejas, que logo se transformaram em oito. Conversamos muito e rimos muito. Samir estava encantador dizendo coisas tais quais: “Para mim vai ser muito triste se um dia eu não puder tê-la.” ou “Eu tenho um carinho enorme por você. Não quero perdê-la nunca.”
Voltamos para casa já tarde da noite, eu mal conseguia guiar a bike de tão cansada que eu estava, e ele lá, todo doce e preocupado com meu bem estar. Sensação de poder, sensação de poder tudo, sensação de ser, sensação de ser tudo.
No dia seguinte eu tinha de dar uma aula. Depois da aula eu decidi passar na casa dos pais de Samir para pegar minhas coisas que haviam ficado lá. Chamei duas vezes e ouvi uma voz respondendo que ele estava tomando banho, então eu esperei um pouco do lado de fora quando de repente a garota de Manaus apareceu à porta. Eu congelei no mesmo momento em que pensava “Puta que pariu!” Eu sabia que era ela, pois ele havia mostrado umas fotos dela para mim um dia – como se eu tivesse querido vê-las. Chão se abrindo, céu desabando, rosto estático.

Ele saiu lá de dentro e ficou do lado de fora conversando comigo durante 15 minutos ou mais, numa gentileza de comover, como se fossemos melhores amigos, pois, antes de tudo, era isso que eramos: amigos. Falamos sobre minha irmã, sobre minha mãe, sobre coisas superficiais, ele perguntou para onde eu estava indo, disse-me que queria andar de bike mas que naquele momento não ia dar, pois tinha “visita” e depois despediu-se de mim dizendo que me entregaria minhas coisas num outro dia. O fato de ele haver conversado comigo tranquilamente diminuiu meu nervosismo. Fui para casa triste, mas convencida de que eu era mais que um recreio para ele. Qualidade de poder, ser, estar, vento no rosto, mais vento, vento forte de agosto e sensação de escolha certa.
Quando cheguei em casa decidi fazer um faxinão para esquecer que havia dado de cara com a garota de Manaus. No meio da faxina meu celular toca. Era o número da casa de Samir. Achei estranho mas atendi – ele era tão junkie que era bem capaz de estar ligando para me chamar para sairmos ela, ele e eu. Só que dessa vez eu acho que eu não iria. Assim que atendi escutei a voz dele me dizendo: “Olha, só estou ligando para te mandar tomar no cu!” Eu disse “como é que é?” e ele repetiu: “Eu estou ligando para te mandar tomar no cu!” eu perguntei por quê e ele disse que eu havia conseguido o que queria, que eu tinha estragado tudo e que portanto eu tinha que tomar no cu. Eu tentei argumentar, gritei por cima dos gritos dele, mas de nada adiantou, ele tinha dito vá tomar no cu e ele diria vá tomar no cu obstinadamente até o fim. Mas esse não era o fim. Raiva, lágrimas tensas, lágrimas cegas, muita, muita tensão.
Fiquei sabendo depois que a engraçadinha da garota de Manaus esperou que eu saísse e armou um barraco feio na casa dele e ainda por cima menstruou “de raiva”, cagando o final de semana. Ele não tendo em quem descontar, ligou para a única pessoa que parecia ter arruinado tudo e a mandou tomar no rabo.
Eu fiquei triste, primeiro porque ele havia agido daquela forma, segundo porque ele havia ficado com ela mesmo depois do barraco e terceiro porque ele achou realmente que eu tinha ido até a casa dele de caso pensado para marcar território. Só se eu fosse muito otária! Claro que se eu soubesse que a garota de Manaus estava na casa da família dele eu não teria perdido meu tempo indo lá. Fúria, perdição eterna, danação eterna, maldição eterna, roda viva, círculo gigante.
Fiquei cinco longos dias sem noticias do amante. Nunca pude imaginar o quanto um homem inteligente, que escuta as românticas canções de Sade Adu no Youtube de vez em quando à noite, poderia ser tão cruel. Mas é como eu disse anteriormente: esse não era o fim, afinal de contas eu estava lidando com um homem que escutava Sade, mas que assistia the soup, na tv a cabo, e The laeuxtenant no dvd.
O amante era o paradoxo de minha vida. Pensamento antropológico, avesso à antropologia, pensamento de estudar o que passou, pensamento de estudar o que viria e certamente o que viria depois era ele ainda. Buraco negro, buraco grande e negro, poço sem fundo ou de fundura inimaginável, água suja, água de ferrugem e meu corpo desfalecido boiando.
Quando nos falamos, enfim, cinco dias depois, eu estava disposta a dar um ponto final nesse “affair” dos infernos, mas Samir atendeu o telefone e disse “passe aqui hoje”. E não precisa ser gênio para saber que existe uma linha tênue entre o que devia ser feito e o que eu fiz realmente, assim sendo, claro que fui até a casa dele e esqueci de dar um ponto final no tal “affair”. Bosta, bosta grande, bosta rolando solta pelo universo e eu rolando solta no meio da bosta.
Ele havia dito “passe aqui hoje.” e eu, sem pudor algum em ser uma recreação, fui.
Fizemos as pazes, se é que se pode chamar assim esse tipo de relacionamento: carinho vinculado a um barril de pólvora. Por outro lado, Samir fazia com que esse estado não tivesse espaço para cobranças – pelo menos as cobranças consideradas banais. Ele fazia tudo parecer fácil, como na frase “viva e deixe viver”, mas ele esquecia que existiam os problemas entre “o mundo dele” e “o mundo real”. No que dizia respeito ao mundo real, que era o mundo que eu ainda habitava, existiam as interferências externas, e eram essas interferências que tomavam conta de minhas faculdades mentais. Vez por outra justificar, perdoar, absolver, desculpar, desculpar pelo que quer que seja e apertar o nó da corda em torno do pescoço.

Eu me sentia a boneca do poema de Adília Lopes, “uma linda boneca de cera loira, porém sem força”. Seria eu também enterrada em uma sepultura com dois lilases? E o que dizer do sol, que já não brilhava forte havia 7 dias? Será que depois choveria durante muito tempo?
Não. Pelo amor dos meus filhinhos que ainda não nasceram!

sábado, 16 de julho de 2011

VERBO SER


http://www.etudogentemorta.com/2010/12/ser-poeta-e-continuar-divino-verso/

"Que vai ser quando crescer?
Vivem perguntando em redor. Que é ser?
É ter um corpo, um jeito, um nome?
Tenho os três. E sou?
Tenho de mudar quando crescer? Usar outro nome, corpo e jeito?
Ou a gente só principia a ser quando cresce?
É terrível ser? Dói? É bom? É triste?
Ser, pronunciado tão depressa, e cabe tantas coisas?
Repito: Ser, Ser, Ser. Er. R.
Que vou ser quando crescer?
Sou obrigado a? posso escolher?
Não dá para entender. Não vou ser.
Vou crescer assim mesmo.
Sem ser esquecer."

- Drummond.

sábado, 9 de julho de 2011

MaGrace.


"Quando você fôr bem velha
Morando ainda em frente à casa amarela
Junto àquele gato enjoado, andando sempre miando pasmado
Irá ver nossas fotografias e lembrar-se de meus versos
E verá flores nos cantos entre as sombras no quintal
Será capaz de dizer: jamais sem você conseguirei viver
E eu já estarei morto
Mas meu fantasma deitará sobre o seu corpo,
Pois ao escutar meu nome irá logo acordando
Quando você fôr bem velha, à noite."

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Caralho, que bosta.

Dez horas da manhã de domingo – ou seja, madrugada – e lá estava eu, digitando um texto do tamanho de um bonde, quando, de repente, o teclado enlouqueceu. Uma janela com um aviso, que eu não entendi, saltou na tela. Eu, na minha infinita sabedoria, de gente arrogante, dei um enter e pronto: a merda tava feita: desativei a porra do teclado.
Estava quase chorando, pensando em quem diabos poderia me ajudar a inverter a idiotice que eu tinha feito. “Puta merda, hoje é domingo. E agora?” Saí andando à pé, com o computador nas costas. Começou a chover. “Que lindo” eu pensei. Ainda bem que era uma chuva fininha. Bom, fui andando até o restaurante do pai do Pepper – milhões de quilômetros depois. “Ôpa, bom dia, Galileu. Seu filho tá aí?”
Olhei para a cara do Pepper – que por certo não pôde avaliar meu real estado de espírito, visto que eu estava devidamente disfarçando, as lágrimas de desespero, com uns óculos escuros.
  • O que foi? – ele perguntou com o sorriso mais lindo do mundo.
Eu rosnei, sem querer:
  • Eu sei lá que caralho eu fiz – pausa. Depois voz baixa, cheia de vergonha – tá, eu sei: apertei o tecla shift cinco vezes.
  • Ah, isso é simples de resolver.
Pepper Lovitche.
 
Eu esbocei um sorriso de falso alívio e senti meu corpo se derretendo na cadeira onde eu estava. Ele lá, todo tranquilo e eu num misto de pensamentos variando entre um simples “graças a Deus” e um complexo “puta que pariu, como eu sou burra.”
Enfim, após um minuto e meio, fui embora ainda com uma sensação ruim, sem saber se ficava apenas feliz, por não ter feito uma cagada maior, ou triste, por haver descoberto o quão leiga eu ainda sou em assuntos digitais – e, nos dias atuais, ser leiga, burra, idiota, mongol, seja lá o que for é foda.
No caminho para casa, a pé e na chuva fina, novamente, por impulso, parei num brechó e comprei uma calça de algodão cru por R$ 2,00.
Aí sim, como genuíno representante de espécime homo sapiens sapiens do gênero feminino que sou, pude, finalmente, sorrir de alívio. Melhor que isso só com chocolate meio-amargo.

domingo, 26 de junho de 2011

O indivíduo em seu mundo desnudado.

(Para não dizer que eu não falei do óbvio).


De acordo com alguma pessoa, cujo o nome me escapa, nós estamos soltando as amarras das próximas gerações, digo, permitindo que os indivíduos de hoje demonstrem seus sentimentos reais e sem pudor algum, e que isso é uma coisa “muito incrivelmente legal.” Bom, se isso é mesmo verdade, por que diabos o mundo me parece estar virando de cabeça para baixo? Outro dia, na secretaria do cursinho onde eu trabalhava, um garoto, que se diz “EMO” , mas que eu acho que tá mais para “INDIE” estava justificando o porque de ele haver faltado quase um mês inteiro de aula: “É que meu namorado terminou tudo comigo, então eu caí em depressão.” Caralho terminou um namoro de duas semanas e precisa faltar a aula um mês? Ele tem apenas 12 anos! Vai ganhar o que com isso? Depois, no mesmo dia, vi um grupo de garotas apostando quem perderia a virgindade primeiro. Acho que esse post vai ser o mais curto para uma questão tão delicada quanto essa. Só quero saber se a forma com a qual estamos conduzindo tudo é realmente a saída para estabelecer contato com um mundo cheio de imaginação, poesia e fábula que só os jovens parecem ter ou se, ao contrário, estamos dispondo tudo de uma forma tão banal que em breve não haverá futuro, não haverá meio ambiente, não haverá segurança, não haverá trabalho. Um mundo onde você sai para dar um rolé com os amigos e é assaltado na esquina de casa. Um mundo que se diz tão moderno, mas cuja modernidade, que defende tanto os direitos do indivíduo, é a mesma que trata de surrar pessoas nas ruas por causa de sua classe, cor da pele, opção sexual. Um mundo tão moderno onde a ética e a moral parecem se esquecer como criar relações mais próximas com a grávida, ou o idoso querendo sentar na vaga do ônibus que é a ele destinada, com o padeiro, com o vizinho e, talvez mais importante, com as crianças. Será que sabemos quais são as nossas próprias necessidades e desejos para que possamos formar cidadãos conscientes e atuantes. Será que estamos mesmo assegurando os meios que permitiriam a existência das próximas gerações? 

Sei não, viu. Mal posso esperar para perceber o despertar que o amanhã trará, o momento inevitável de todos os dias, o momento em que me liberto e
abro os olhos.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Só o espaço sem tempo.

Quando eu fui ver já era de manhã.

Então eu te dei boa noite.

E te soprei um beijo:

domingo, 19 de junho de 2011

 
Viver enquanto se dorme tem suas desvantagens, não obstante tem suas vantagens também, porque tudo tem dois lados. No espaço da magnitude, viver de sonho surpreendentemente pode manifestar em algumas pessoas o que há de melhor na forma como elas conduzem suas existências. Vamos só abrir esses parênteses para falar do lado bom, pois para ver coisa ruim basta ligar a tv e assistir o noticiário.
Não há mal algum em aproveitar a vida, mesmo quando só tomamos conhecimento de um lado dela – ora se esse lado se mostra oportunamente repleto de coisas boas, porque não? – Lógico que não devemos nos manter passivos quanto a possibilidade de descobrir novos horizontes, não é isso, aproveitar o lado bom que se conhece da vida não quer dizer estacionar, muito pelo contrário, e se a única forma para que esse aproveitamento se torne vantajoso no momento é sonhando, que seja. Um outro aspecto, que não deve ser descartado como vantajoso em se viver enquanto se dorme, é a premissa de que o real nunca ultrapassa o imaginário. Durante o sonho podemos fazer qualquer coisa, ser qualquer coisa, estar em qualquer lugar e com qualquer pessoa – veja bem, quando se refere aos sonho, não necessariamente é preciso que uma pessoa esteja dormindo. A pessoa pode estar em transe, sonâmbula, lendo um romance, uma ficção, literalmente sonhando acordada, fazendo planos e visualizando com os olhos da mente como seria a concretização disso. Num confronto necessário entre sonho e realidade, pode-se definir a vida de sonhos como uma fuga útil daquilo que é identificável por todos os seres como rotineiro e enfadonho. Mas, mesmo assim, podemos falar de viver sonhando como válvula de escape, a partir de certos atributos inerentes à condição humana, sem necessidade de confronto com o que existe de fato, podemos fazer uso de nossa consciência para estabelecer o perfeito equilíbrio entre os dois universos: o real e o imaginário.
Viver é bom, equilibrar as coisas é bom, traz contentamento, simplicidade, paciência, saber viver nos faz mais sensíveis, alegres, carinhosos, iluminados e confiantes, com uma pegada mais poderosa, exercendo uma irresistível atração sobre o outro. Encarando dessa forma a existência, a palavra de ordem é: aproveitar-te-ei lado bom da vida, darei o melhor de mim porque você é boa, mesmo que isso, seja compreendido como uma maldição lunática por aqueles que não entendem todo um universo de pequenos gestos afetivos. E não, isso não é uma oração. Mas é uma contradição, pois gosto de sonhar de vez em quando, porém, para mim, bom mesmo é quando abro os olhos.


                                                                       ***
(Viu, Gustavinho, não fique triste se algumas pessoas enxergam que você está em cima de uma árvore quando você sabe que onde elas veem uma árvore, você, de olhos bem abertos, vê um foguete).

sexta-feira, 10 de junho de 2011



Engraçado como existem coisas que não mudam. Em 26 de Outubro de 2009, eu disse claramente que: 'Eu me dei conta do quanto gosto de críticas, mas de críticas com argumentos, gosto de saber como a outra pessoa encara o que penso, como ela se expressa, mesmo que eu não concorde em nada com ela. Para isso precisamos de uma noção boa do que estamos falando e, claro, de boa ótica – até porque as existentes e de maior visibilidade são sofríveis. Por um momento, digo, por um período recente me pareceu que a qualidade deixou de ser importante – estarei certa quanto a isso?
O fato é que eu adoro bons diálogos, adoro, adoro, mas as pessoas com quem poderia estabelecer esse tipo de laço estão tão sem tempo quanto eu. Em geral quando estou em uma reunião com amigos fico desnorteada quando todos começam a falar ao mesmo tempo. Eu ligo todos os meus sentidos procurando um tema interessante que alguém possa ter levantado em meio ao bombardeio de pessoas que só querem, que só precisam ser ouvidas – às vezes sem se dar conta que nada dizem. Ah, mas se detecto um assunto especial, acima do superficial então eu não relaxo. Espero extrair desse assunto o máximo o tempo todo.
Eu não tenho um gênero favorito para um bom papo – pode girar em torno de qualquer coisa embora tenha maior interesse por cinema e literatura. Gosto de pessoas que despertem o tipo de diálogo inteligente, maduro e com gosto refinado – aprendo muito com essas pessoas – tomara que esse aprendizado seja eterno.' Engraçado como existem coisas que não mudam.

domingo, 5 de junho de 2011

Al.H.

"Toda palavra é crueldade."
'''Fala, Orides Fontela



quinta-feira, 5 de maio de 2011

(IN) utilidade pública

Frase que li numa camiseta.


1 - Casamento na realeza (antes eles do que eu): massa;

2 - Morte de terrorista (antes ele do que eu)/festa de comemoração; podes crê;

3 - Estar por dentro das atualizações mundiais: muito necessário;

4 - Fora isso: grandes bosta!

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Echo.

http://vidaem-textos.blogspot.com


Cal, era isso que eu tinha ouvido.
A garota tinha dito Cal.
Lembro-me muito bem.
A garota ria, paquerava a garçonete e falava Cal.
O que será que isso queria dizer? O quê?
Poderia ser um galanteio.
Poderia ser um deboche.
Poderia ser um cumprimento, um devaneio.
Qualquer coisa.

Meus pés ficaram como se eu estivesse levitando, mas eu estava no chão.

Meu corpo não tem nada de estranho.

A casa cheia das gentes que amo e a chuva fina caindo lá fora me davam a impressão de que não chovia há dias, mas eu sei lá há quantos dias eu achava qualquer coisa. Depois talvez eu perdesse(...) depois talvez(...)

A noite sempre chega mais cedo aqui. Mesmo quando está tudo muito claro, cheio de luminosidade. Estou exatamente onde deveria estar:
suspensa numa vida dentro de um tempo em órbita.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

24 de agosto de 2010.

Pensamento Coiceiro do Ato de Cogitar


http://gruene-mils.at/
O desastre que a lucidez pede é inevitável: sempre há um preço a ser pago.
Desde sempre soube disso.
Não gostava de meus versos por puro instinto – eles eram consumidos por meus torpores não executados.
Se olhava de repente para o meu verdadeiro EU, escutava o sopro de meu pensamento transformado em voz – e não era incoerente, antes disso e num instante, era espontâneo e infinito.
Hoje adormecerá cedo e abrirá os olhos tarde.
Terá tudo como sempre foi.

O demônio indiferente da juventude ainda estará quente, arrebanhando novos seguidores.

Se perguntava qual seria o ápice da insanidade.
Quando chegou o momento de deixar livre sua própria opinião, arrastou-se equivocado através dos becos imundos do bairro onde morava.
Soube, por ventura, que os avanços e solavancos de uma vida exaustiva de orgias estava no fim.
Não se convencia de que o espelho estava certo e sentiu pânico por permanecer Dorian Gray.

Iria abrir os olhos ao anoitecer sabendo o quão desastrosa a lucidez pode ser.
Os loucos são sempre mais felizes.

quinta-feira, 10 de março de 2011

Pequena transmissão de aviso.


http://haliforadoar.zip.net/

Certa vez, iniciei um post bem bonitinho, sobre as coisas bem bonitinhas da vida. Comentei que já quis ser bailarina e tudo o mais. Bela merda. Agora isso está um pouco distante. Hoje estou mais para aquela que vexa o bonitinho das coisas. A simples presença de tantos elementos volúveis, equilibrados a tantos outros ingênuos, ou até mesmo cômicos em mim, nessa atual fase, apenas revela meu lado demasiado humano, porém sequer estabelece uma ponte onde tantos outros podem manter algum tipo de comunicação. Estou mesmo uma coisinha egoísta ultimamente, senhores.
Não me sinto igual a qualquer outro, ou próxima senão de meus outros mins. Em minha exterioridade, apenas encontro pontos comuns com uns poucos. Minha teatralização ao me manifestar tantas vezes por meio de palavras, ou mesmo aparições físicas, edificaram sentimentos de muros de cristal em minha alma. Estou embrutecida. Mas este embrutecimento é deveras frágil. Não me importo com quase nada e ainda praguejo contra quase tudo. É a TPM, diriam alguns. E pode muito bem ser isso mesmo, senhores. Não pode? Uma TPM eterna? Não. Acho que não. Da mesma forma que acho que esta minha atual condição de repente nem é para sempre. Encontro-me não raro agressiva. Sinto-me como uma adolescente cujos hormônios são tão insanos, intensos, loucos. É distúrbio bipolar, diriam alguns. E pode muito bem ser isso, não é? Tomara que não.
Eu afeio minhas coisas interiores, apesar de meus esforços em contrário, e que numa outra época nem tão distante, me diferenciavam sempre das gentes cujos núcleos de personalidade são tão feios quanto seu revestimento exterior.
Este egoísmo, senhores, não é uma qualidade, nem deve ser entendido como tal, já que em certas circunstâncias, ele resultou em algumas das minhas atitudes e decisões mais estúpidas e de piores consequências. Acho que este é meu traço mais humano, no nível de defeitos e limitações. - De certo que ainda conservei a capacidade de “parar a tempo” eu apenas não o quero fazê-lo mais. Estou chata, senhores. Chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata, chata

sexta-feira, 4 de março de 2011

“Nada precisa ser fantástico para ser bonito. Comum também pode ser belo.”


Narayana.


Senhores, ao ler esta frase, lembro-me de mim mesma, que alguns de vocês admiram tanto. Sou o cúmulo do comum. E sou muito bela, podem crer. Parte significativa de meu poder vem de minha beleza. E o que é que vocês querem que eu faça? Que arranque esse trunfo de mim? Vocês estão brincando, senhores? Sim, o problema é por certo complicado. Exatamente porque conheço todas as minhas responsabilidades – ou não teria uma consciência tão justa – eu sou quem sabe até mais conduzida, moralmente falando, aos tormentos que só aqueles que sabem do mal que podem fazer, podem sentir.
Abandono a fraqueza de caráter, a vaidade, o oportunismo – traços característicos da personalidade de tantos – sempre que posso.
Contudo, uma conduta mais adversa nas horas difíceis não basta para bloquear um certo desvio de personalidade nas horas mais improváveis: eu, nos últimos tempos, tenho me portado como uma figura egoísta, justamente porque, em um número incontável de situações, descobri ser o que sou, digamos, humana.
Nem tudo na minha vida pode ser explicado e entendido exclusivamente através do conhecimento dos meus altos e baixos. Não daria para verbalizar boa parte. Não seria um autoretrato justo, completo ou fiel como parecem ser os perfis das orelhas de alguns livros. Há os fatores externos que me impelem para os caminhos que afinal tomo. Provavelmente é disso que se tratará o próximo post. As palavras decerto serão mais duras.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011


Narayela.


Gabriela entrou no salão e cortou os cabelos bem curtos sem medo. À tarde a gata saiu para caçar. Olhou para o rapazote que vinha em sua direção: despojado demais. Esbarrou no quarentão: sério demais. Andou pelas ruas até cansar e nada. Como era possível, afinal, que já estivesse tão atrasada para o rito de final de semana? Estava se retirando para casa quando sentiu um olhar em seu pescoço. Olhar era tão intenso que fez com que se virasse. Lá estava sua diversão de fim de semana: uma gata com cara de dondoca e um homem de meia idade com cara de intelectual. Estavam olhando para ela já fazia um tempo de dentro do carro. Gabriela foi até eles, passou pelo motorista, deu a volta e parou ao lado da garota, apoiou os braços na borda da porta e sorriu sem lhes mostrar os dentes. A mulher estava com os lábios num meio sorriso e isso era um bom sinal para Gabriela, que achava que uma boca assim entreaberta era um aviso de que a cama compartilhada com essa pessoa devia ser bastante intensa. Não resistiu e deu um beijo naquela boca de lábios finos e bem pintados. A mulher correspondeu. O homem com ar de intelectual apenas observava a cena com ar parcialmente sério. Foram parar num apartamento. O homem serviu drinques e colocou música para tocar. Olhou para Gabriela e disse que ela se parecia com todo mundo. Ela não ligou, dançou sensualmente com a mulher e trocou insinuações mudas ao fim da dança. Sentaram-se, Gabriela ao lado direito do homem e a mulher, por impulso, deixou-se cair no colo dele. O sofá era macio. Os três beijaram-se triplamente. Estavam concentrados em suas línguas e respirações. Começaram a se esfregar pausadamente e com força, depois aumentaram o ritmo até que o tecido de suas roupas estivesse insuportavelmente quente. Gabriela levantou-se, tirou a mulher do colo do homem, abriu-lhe as calças e segurou o pênis dele com cuidado levando-o à boca. A mulher despiu as calças de Gabriela por trás e pôs-se a lambê-la devagar e concentradamente. O homem estava encantado – talvez já não achasse Gabriela igual a todo mundo. Os três fizeram amor durante pouco tempo, porém exploraram-se ao máximo, como se amassem um ao outro intimamente e para sempre. Depois o homem pagou a mulher com cara de dondoca e pediu o número do telefone de Gabriela. Ela não deu. E lá se foi Gabriela com o cheiro do cravo e cor da canela. Passou na casa de sua mãe e pegou seu filho de pai desconhecido, concebido numa época em que as doenças pareciam não ser temidas e foi para casa, suspirando felicidade por mais um ritual de fim de semana cumprido.



- Justine Febril